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Por Gabriela Glete e Júlia Storch Edição #61

Um abrigo para peregrinos forçados

CNBB acolhe refugiados no Brasil por meio da ONG Cáritas

A maior crise migratória desde a Segunda Guerra inseriu o tema dos refugiados na agenda política, inclusive no Brasil. De acordo com o Alto Comissariado das Nações Unidas para os Refugiados (Acnur), em 2016, o número de refugiados no País subiu 9% e o de pedidos de refúgio cresceu 23% em comparação a 2015. O Brasil tinha 8.863 refugiados. Em 2016, o número saltou para 9.689. Já o total de pedidos de refúgio passou de 28.670 para 35.464 em um ano. A ex-presidenta, Dilma Rousseff, anunciou, em 2015, que o País estava de portas abertas para receber os refugiados e aprovou a Medida Provisória 697, liberando 15 milhões reais para o investimento em programas de assistência e acolhimento aos refugiados. Em 2016, no entanto, o presidente Michel Temer rompeu com as negociações com a Organização das Nações Unidas para receber famílias de refugiados, sancionando com vetos, em maio de 2017, a Lei da Migração.

Nesse cenário político incerto, mas com um total de 65,6 milhões de pessoas refugiadas no mundo atualmente, organizações não governamentais surgem frequentemente para auxiliar os refugiados recém-chegados em países estrangeiros. No Brasil, a situação não tem sido diferente. Pessoas físicas, coletivos, igrejas e mesquitas ajudam por conta própria, oferecendo roupas, alimentos e suporte. A Cáritas Brasileira, uma ONG da Igreja Católica, gerida pela Conferência Nacional dos Bispos no Brasil (CNBB), é uma dessas instituições.

Perdas afetivas

Alika* é nigeriana e veio sozinha ao Brasil. Sua família está em Benin, país na África Ocidental. Ela ainda espera por seus documentos brasileiros para que possa trazer seus filhos ao País. Na África, era professora universitária de Relações Internacionais, Marketing e Administração, mas começou a ser perseguida por ser contrária ao grupo extremista islâmico Boko Haram.

Para chegar ao Brasil, passou por momentos difíceis. Saiu da Nigéria e chegou em Benin correndo, durante a noite em meio à escuridão. “Eles implantam bombas nos ônibus, ir a pé me salvou”, revela. Alika recebe doações e visita regularmente a sede da Cáritas Brasileira, na Barra Funda, zona oeste de São Paulo.

Em 2015, ano que Alika saiu da Nigéria, o país teve o maior número de mortes já registradas, com mais 5.662 pessoas mortas, um aumento de 300% em relação ao ano anterior, segundo a ONU. Vinte e três por cento das mortes em território nigeriano, em 2014, foram por terrorismo, sendo 81% provocadas pelo Boko Haram.

A ONG Cáritas auxilia refugiados em mais de 450 municípios do Brasil
Gabriela Glete

Emerike Benedict também nasceu na Nigéria. Está no Brasil há um ano e afirma que conseguiu um visto antes de embarcar. Ele considera o País mais fácil do que a Europa em tempos de crise, que pode restringir duramente a entrada de refugiados, mas se entristece quando pensa na família que deixou na África e se apavora em pensar que sua mulher e seus filhos correm perigo devido ao grupo terrorista. O nigeriano, que atualmente está à procura de um emprego, diz que trabalhava como comerciante em seu país, mas que está disposto a aceitar qualquer trabalho para juntar dinheiro e trazer sua família. Começou a fazer aulas de português com a ajuda da Cáritas, que seleciona brasileiros voluntários para dar aulas.

Para Andres Ramirez, representante do Acnur no Brasil, as pessoas quando decidem sair de seus países em busca de refúgio, como Alika e Benedict, já não encontram mais alternativas de viver com dignidade em seus locais de nascimento. “Essa pessoa ou família não vai ter apenas perdas materiais, mas muitas perdas afetivas. Eles saem em busca da sobrevivência. Por isso, o mínimo que se pode fazer é acolher essas pessoas com solidariedade”.

A Cáritas Brasileira mantém um convênio com o Acnur e com o Ministério da Justiça para acolher os solicitantes de refúgio e exilados que chegam ao Brasil. “Buscamos formar uma rede de apoio que possibilite a concretização dos objetivos primordiais que são o acolhimento, a proteção legal e a integração local desse contingente de pessoas”, explica Aline Thuller, coordenadora do Programa de Atendimento a Refugiados da Cáritas.

A sobrevivência e a renúncia de uma realidade complicada fazem parte da vida de um refugiado. Mohamed Saidúku também compartilha das tragédias de Emerike Benedict e Alika. Alegre, alto e sorridente é de Serra Leoa e veio para o Brasil fugindo da epidemia de ebola. Assim como outros acolhidos pela Cátiras, procura uma oportunidade de trabalhar em terras brasileiras.

 

* O nome foi trocado para preservar a identidade do entrevistado