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Por Beatriz Mammana e Bruna Miato Edição #61

Shopping metrô

Comerciantes ambulantes falam de suas rotinas e dos desafios que enfrentam todos os dias dentro dos vagões dos metrôs em São Paulo

“Primeiramente, bom dia pessoal, desculpa estar atrapalhando a viagem de vocês, mas tenho em minhas mãos o mais novo adaptador para celular que nas lojas vocês vão estar encontrando por 30 reais, mas devido a mega operação dos guardas quem tiver 15 leva não só um, mas dois”. Assim começa o dia de Rafael*, vendedor ambulante dentro dos trens e estações do Metrô de São Paulo. Ele tem uma rotina diária já estabelecida: acorda às 4 da manhã, segue até a estação mais próxima da sua casa, a Itaquaquecetuba da CPTM, e de lá leva duas horas para chegar ao Centro da cidade de São Paulo, onde compra produtos, geralmente eletrônicos, na região da rua 25 de Março e os revende entre as estações Jabaquara e Barra Funda.

O jovem comerciante não está sozinho. A maioria dos ambulantes relata que reside em áreas periféricas da capital paulista, locais mais afetados pelos altos índices de desemprego que atingem o Brasil nesse momento. De acordo com a Pesquisa de Emprego e Desemprego da Fundação Sistema Estadual de Análise de Dados (Seade) de 2017, o índice de desemprego em São Paulo passou de 17% em fevereiro para 18,1% em março. E Cléber*, vendedor ambulante de Santo André, confirma: “Comecei por estar desempregado, porque hoje geral está desempregado, e pra não ter que fazer nada de errado eu optei por trabalhar com o comércio nos vagões, que foi a única coisa que eu consegui buscando trabalho”.

Muitos deles também disseram que conheceram o comércio por meio de amigos que já realizavam esse trabalho no Metrô. “Quando eu fiquei desempregado, pela primeira vez comecei a vender bala nos ônibus, mas alguns amigos meus me apresentaram essa opção de trabalhar nos metrôs e foi aí que eu comecei”, afirma Marcos*, do Capão Redondo.

Márcia*, uma das poucas mulheres no comércio ambulante dos metrôs, conta: “Eu comecei porque trabalhava registrada e não tava aguentando”. O ambulante Tadeu, seu marido, conta que “durante a manhã é muito ruim trabalhar nos vagões, então preferimos vir só à tarde, depois de deixar nosso filho na escola, e ficamos até às 18, na hora de buscar ele. Assim passamos mais tempo com ele”. Quando perguntado sobre a renda, o casal disse que as vendas compensam, porque muitas vezes o que se ganha no Metrô supera o salário de um emprego registrado, tornando possível o sonho de dar uma vida melhor ao filho.

Os “marreteiros”, termo usado entre os ambulantes para se autodenominarem, disseram que, mesmo com os preços baixíssimos pelos quais as mercadorias são vendidas, é possível sustentar suas famílias: “Eu pago meu aluguel, a prestação da minha moto e compro o leite e as fraldas dos meus filhos”, acrescenta Marcos. Já Leandro* conta que fatura, em média, cem reais diariamente com o comércio nos vagões.

Criminalização e violência

Embora a rotina de trabalho de Rafael seja muito parecida com a de qualquer outro trabalhador, ele, assim como todos os comerciantes ambulantes, precisa agir de forma clandestina, porque, dentro de um vagão de metrô, sua atividade é considerada ilegal. Segundo o advogado Pedro Thomazini, o comércio dentro dos vagões e dependências dos trens e metrôs é regularizado pelo Decreto n° 1832, de 4 de março de 1996, que, de acordo com seu Art. 40, proíbe a comercialização de qualquer produto dentro dos trens e estações de Metrô.

Nesse contexto, o capítulo IV do decreto que diz respeito à segurança, indica que a Administração Ferroviária “pode e deve adotar as medidas de segurança necessárias destinadas a garantir a manutenção da ordem em suas dependências e o cumprimento dos direitos e deveres do usuário, bem como exercer a vigilância em suas dependências”. Essa norma garante ao guarda dos trens e metrôs a apreensão do comerciante e seus produtos e encaminhá-los à subprefeitura mais próxima, na qual as mercadorias apreendidas poderão ser liberadas com a apresentação da nota fiscal e sob o pagamento de uma multa de 154 reais.

No entanto, Márcia e Tadeu afirmam que, no momento em que suas mercadorias são apreendidas, os próprios guardas cobram um valor, que varia entre 500 e 700 reais, para devolver os produtos na hora, de forma ilegal.
“Eles já partem para a violência, porque aqui dentro eles acham que são polícia”, conta o comerciante Marcos*. Além da vista grossa aos “marreteiros”, Leandro diz que para haver agressão não é nem necessário que os ambulantes reajam “Uma vez um guarda veio apreender minhas mercadorias e eu entreguei, porque, assim como eu estou fazendo meu serviço, ele está fazendo o dele. Mas ele também quis pegar minha mochila e eu falei: ‘você não pode pegar ela porque é minha, eu não estou vendendo’”. O vendedor ambulante alega que o guarda o agrediu e ainda o ameaçou. A administração dos Metrôs alega que, em caso de má conduta dos guardas, eles são punidos e afastados, caso necessário. O número de ações de recolhimento de mercadorias realizadas no sistema em 2016 foi de 12.172 apreensões, refletindo um aumento de 82% em relação a 2015, quando foram realizadas 6.664 ações, de acordo com a assessoria do Metrô de São Paulo.

Pelo lado do passageiro

Por um lado, há a consciência de que vender dentro dos trens é crime, boa parte dos passageiros parece ter reações de incômodo em relação à abordagem dos comerciantes. “Eu acho errado o comércio nos trens porque tudo tem seu lugar certo. Às vezes você está voltando do trabalho, cansada, e eles começam a gritar. Isso incomoda”, comenta Viviana Albuquerque.

Para auxiliar o controle das vendas irregulares a instituição conta com um serviço de SMS, onde os usuários podem denunciar esses vendedores pelo celular. “Além disso, a companhia realiza campanhas de conscientização emitindo avisos sonoros nos trens e estações, veiculando vídeos na TV Minuto e posts nos canais oficiais do Metrô nas redes sociais”, garante a assessoria do Metrô.

Entretanto, mesmo com as pessoas que se sentem incomodadas com a abordagem, são poucos os que consideram o comércio nos vagões como algo essencialmente errado, como conta Lilian Almeida: “Eu entendo que é uma opção deles de sobrevivência, mas acho injusto com aquelas lojinhas que tem dentro do metrô, porque elas podem existir, né?”.

Odair*, que tinha acabado de ter suas mercadorias apreendidas no momento da entrevista, conta “Eu venho de Itaquaquecetuba, levanto todo dia às 8h para trabalhar, pra ganhar meu pão de cada dia no trem porque eu tenho um filho. Aí um guarda à paisana veio e pegou minhas mercadorias e agora eu preciso de ajuda pra poder voltar na doceria e comprar mais doce pra revender”.

Os passageiros do Metrô, em sua grande maioria, se solidarizam com os ambulantes e, inevitavelmente, a opinião mais comum dentre todos é que o errado é proibir esse tipo de comércio, já que essa é a forma como eles sustentam a si mesmos e a suas famílias.

“Eu sei que é proibido, mas não devia ser um crime. Tem uns aí que vem pra puxar celular, atrasando o pai e a mãe de família. Eu mesmo sou um pai de família e se eu tô aqui não é à toa, é porque eu preciso mesmo. Eu chego aqui às 8h30min e fico vendendo. Vou embora, às vezes, 11 horas da noite pra sustentar minha casa, pra sustentar minha família”, declara Leandro que, apesar das dificuldades, enfrenta os desafios diários do seu trabalho com muita alegria, assim como todos os marreteiros, divertindo em muitas ocasiões a vida dos milhares de pessoas que embarcam nos trens diariamente. “Então é isso pessoal. Quem comprou, comprou. E para mais informações acessem nossa página www.shoppingmetro.com.br e boa viagem a todos!”.

 

* Os nomes foram trocados para preservar a identidade dos entrevistados