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Por Gabriela Sartorato e Laura Ferrazzano Edição #64

Futuro à deriva

No Brasil, um em cada cinco jovens está fora do mercado de trabalho e não estuda, formando a geração nem-nem

Tenho poucos planos concretos para o futuro. Desejo trabalhar com o que gosto independentemente de renda. É bem clichê, mas tento deixar rolar”, afirma Vitor Augusto Ferreira, de 22 anos. Ele se formou no ensino médio em 2013, mas aos 17 anos ainda não sabia o que fazer. Na verdade, Ferreira conta que adiou ao máximo tomar a decisão, tendo em vista que sua única certeza era que não queria começar a trabalhar tampouco se interessava por alguma área de estudos específica. O rapaz está inserido na parcela da população conhecida como “geração nem-nem”, expressão utilizada para nomear os jovens que se encontram dentro da faixa etária de 15 a 29 anos e não trabalham ou estudam.

Segundo o Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE), em 2015, os nem-nem contabilizavam 22,5% dos jovens dessa faixa etária. Caso essa porcentagem incluísse aqueles que buscam alguma ocupação, o total de jovens dessa categoria cresceria significativamente, indo de 5,3 milhões para 7,2 milhões de brasileiros. Ferreira, entretanto, pertence a uma classe social economicamente privilegiada, o que ilustra uma pequena parcela dos nem-nem. De acordo com a pesquisa Quem são os jovens nem-nem?, desenvolvida pela economista Joana Monteiro para o  Instituto Brasileiro de Economia (Ibre) da Fundação Getúlio Vargas, os números revelam que quanto menor a renda, maior seria a taxa de inatividade dessa parte da população. Para a pesquisadora, compreender a evolução da população jovem é necessário para avaliar o potencial econômico de um País. A pesquisa aponta para o fato de que, ao contrário de jovens como Ferreira, que se encontram em uma fase transitória, saindo da vida escolar para eventualmente integrar o mercado de trabalho, a maioria dos nem-nem não é composta por pessoas vivendo um momento passageiro.

Dentre as pessoas consideradas no estudo, evidencia-se o crescimento da inatividade entre o sexo masculino, especialmente os menos escolarizados. Os homens com menor tempo nas escolas estão se afastando cada vez mais do mercado de trabalho, o que aumenta a demanda de mão de obra especializada no País e compromete a parcela popular que não teve acesso a níveis de ensino superior ou técnico.

Dados no Brasil

Outra particularidade mostra que, apesar da entrada da mulher no mercado profissional e queda da taxa de fecundidade no Brasil e no mundo, mais da metade das pessoas que se encontram nesta categoria ainda são mulheres com filhos. “O fator que mais contribui para a condição nem-nem é ter um bebê, o que dobra a chance de uma mulher estar nessa condição”, explica Monteiro.

Meire Carneiro tem 29 anos e está fora do mercado de trabalho desde os 18, logo após se casar e dar à luz ao seu primeiro filho. Hoje, tem moradia fixa em Camocim, cidade interiorana do Ceará, cuida da casa e toma conta de suas duas crianças. “Depois que me casei e o Lucas nasceu, eu não tinha com quem deixar o bebê. Tinha acabado de me formar na escola e acabei nem procurando um emprego”, explica. O maior sonho de Carneiro é ver os filhos formados. Não possui planos no âmbito profissional ou acadêmico por enquanto, mas quer voltar a estudar. “Às vezes, penso na possibilidade de fazer uma graduação em Psicologia”.

A cientista social Miriam Müller, com estudos na prática global de pobreza do Banco Mundial, instituição financeira internacional que faz empréstimos para países que estejam em desenvolvimento, entrevistou 77 jovens pernambucanos de 18 a 25 anos de idade. Em seu estudo, Se já é difícil, imagina para mim…, a pesquisadora vê que a escassez de políticas públicas é também um obstáculo ao se tratar da geração nem-nem.

Por isso, modificar esse panorama apenas seria possível com a implementação de uma série de intervenções específicas, como facilitar o acesso às informações sobre oportunidades e mostrar as transformações que elas poderiam trazer de forma concreta, estimulando também uma sensação de pertencimento. Da mesma forma, programas de apoio ou de mentoria se mostrariam igualmente relevantes ao fornecerem o suporte necessário para ajudar os jovens que têm dificuldade em lidar com os obstáculos acadêmicos e profissionais.

Apesar da necessidade de colocar essas medidas em prática para reduzir a quantidade de nem-nem no Brasil, quando esta é comparada com a de outros países latino-americanos, a parcela de membros da geração nem-nem não se revela preocupante para a economia nacional. Os dados utilizados na pesquisa de Monteiro, retirados do artigo Idle Youth in Latin America, publicado em 2011 por Mauricio Cárdenas, Rafael de Hoyos e Miguel Székely, apontam para um cenário econômico que não sofre grandes impactos com a geração nem-nem brasileira. O Chile, por exemplo, com seus 17,2 milhões de habitantes, apresenta um dos maiores índices de jovens pertencentes à geração nem-nem, um total de 33,4% da população. Já o Brasil, que no mesmo período da pesquisa contava com 200,5 milhões de pessoas, possuía o segundo menor percentual de nem-nem: 21,9%, ficando atrás apenas da Bolívia com seus 18%.

Arte por Luana Jimenez

Isso não significa que essa taxa deva ser negligenciada pelo governo brasileiro. A pesquisa de Joana Martins aponta que o baixo índice esconde taxas de inatividade altas e crescentes entre alguns subgrupos da população. Jovens com ensino fundamental incompleto, por exemplo, estão extremamente vulneráveis a permanecerem inativos, principalmente depois do aumento de escolaridade que ocorreu nos anos 2000, o que tornou ainda mais difícil a entrada de pessoas pouco escolarizadas no mercado profissional.

Além disso, dados de dezembro de 2018 do Instituto de Pesquisa Econômica Aplicada (Ipea) indicam que fatores como o baixo rendimento escolar e a limitada quantidade de escolas, somados à alta taxa de informalidade e ao excesso de rotatividade entre os jovens no mercado de trabalho, confirmam o aumento dos nem-nem no País. A pesquisa também revela que a exposição dos jovens à violência se mostra como um grande obstáculo para que se dediquem ao trabalho ou aos estudos: o índice de mortes por arma de fogo nessa faixa etária cresceu cerca de 414% entre 1980 e 2010. Ainda, a quantidade de mortes entre adolescentes negros é 133% maior do que a de brancos.

Por mais que o panorama se mostre caótico em alguns momentos, nota-se que a situação brasileira não é de calamidade. Contudo, o fato de a geração nem-nem ter uma incidência maior entre classes menos favorecidas economicamente revela a necessidade de se ampliar a ação de políticas públicas básicas. Elas possibilitariam melhores condições para que os nem-nem prosperassem nos âmbitos profissionais e acadêmicos. “Por aqui a gente não tem muito exemplo, o destino de todo mundo é parecido. Somos todos um pouco largados”, conclui Meire Carneiro.