Para o pesquisador Ary Rocco, o esporte brasileiro e os megaeventos sediados no país sofrem com a má gestão das confederações
Em agosto de 2015, uma reportagem da BBC Brasil questionava os benefícios de sediar os jogos olímpicos no País. No segundo semestre de 2014, ano do “7×1” na Copa do Mundo, o Produto Interno Bruto (PIB) apresentou queda de 0,6% devido a menor produtividade industrial e ao impacto negativo na economia, provenientes das recorrentes paralisações provocadas pelos jogos da seleção e pelos feriados.
Dois anos depois, o então prefeito do Rio de Janeiro, Eduardo Paes (PMDB), afirmou que os jogos olímpicos iriam movimentar grandes quantias e que sediar o evento seria “uma grande oportunidade de transformação para a cidade”. Nem todos estavam tão animados quanto ele. O ano de 2016 foi um período conturbado para o Brasil, que viu sua presidenta ser destituída por um controverso processo de impeachment.
Um ano após os Jogos Olímpicos do Rio de Janeiro, a Esquinas conversou com o pesquisador, especialista em Marketing Esportivo e professor da Escola de Educação Física e Esporte da Universidade de São Paulo (USP), Ary Rocco, para entender qual o legado dos chamados megaeventos esportivos para os setores econômico, social e esportivo brasileiros.
ESQUINAS Entre os argumentos para sediar eventos esportivos estão os benefícios econômicos, sociais e esportivos. Porém, um ano após as Olimpíadas, vimos atletas perderem patrocínio e incentivo, além da crise nas contas públicas do Rio de Janeiro. O contexto atual era previsto? Qual sua avaliação para este primeiro ano pós-Olimpíadas?
Na realidade do ponto de vista econômico, social e esportivo, o benefício é pífio. O que pudemos ver que do ponto de vista social foi o privilégio a determinadas regiões do Rio de Janeiro, como, por exemplo, a Barra da Tijuca, que recebeu transporte e infraestrutura que não precisava. Não beneficiaram a população carioca como um todo. Do ponto de vista econômico, no momento dos jogos, evidentemente tivemos um boom na economia da cidade, hotéis lotados, movimentação da economia, mas isso já passou e nós não conseguimos, por incapacidade administrativa, aproveitar isso e fazer esse benefício se manter por um período longo após o evento.
O contexto atual já era previsto pelos mais catastróficos. Eu, na verdade, pensava que poderíamos ter uma situação melhor hoje, mas o grande problema que vemos no Brasil na gestão de esporte, é que a gente não conseguiu de uma certa forma planificar ou planejar adequadamente os jogos para que esse legado pudesse durar bastante tempo e pudesse melhorar a condição de vida das pessoas.
ESQUINAS No quesito gestão esportiva então também podemos afirmar que as Olímpiadas foram problemáticas?
Do ponto de vista do esporte, os jogos olímpicos não serviram para massificar o esporte no Brasil. Muito pelo contrário, o que vemos hoje é isso a fuga de patrocinadores e a queda do nível de investimento no esporte, porque as marcas e patrocinadores que investiram antes dos jogos o fizeram porque estava na mídia. Agora que não estão mais, e sabemos que a gestão das confederações brasileiras de várias modalidades é ineficiente e até envolvida com corrupção, as marcas deixaram de investir, porque o esporte não é mais pauta de discussão.
Então, minha avaliação deste primeiro ano após os jogos olímpicos é que os jogos foram catastróficos para o País. Hoje temos instalações que não sabemos usar, não temos estruturas esportivas para aproveitar tudo que foi construído e não houve planejamento para o uso (posterior) dessas instalações que foram construídas para massificar ou de alguma forma melhorar o esporte no Brasil.
ESQUINAS Em 2014, já se apontava desconfiança quanto ao Brasil receber a Copa do Mundo e os jogos olímpicos. Com o fim da Copa e a goleada da Alemanha, a desconfiança aumentou. É possível traçar relações e paralelos entre o “7×1” e os resultados econômicos desse um ano de pós-Olimpíada? Por quê?
Na verdade, o “7×1” tem um papel simbólico, mas ele reflete o estágio atual da gestão do esporte no Brasil. Primeiro, o País não tem uma política do esporte. O governo não sabe se investe no esporte e educação, esporte e participação, esporte de alto rendimento, então não há uma política de esportes no Brasil.
Falando do futebol, especificamente, no País, os clubes são entidades sociais sem fins lucrativos, então não são empresas. Eles surgiram no final do século XIX com uma finalidade social e incorporaram os esportes. Os dirigentes dessas entidades são dirigentes amadores que trabalham voluntariamente em um negócio que movimenta um alto número de recursos financeiros. Tudo isso estimula a má gestão e a corrupção.
ESQUINAS Não sabemos administrar nosso próprio futebol?
Nós administramos mal o nosso melhor produto, o futebol. Administramos de forma amadora e pouco empresarial. Por outro lado, falando de grandes clubes da Europa, eles hoje têm grandes estratégias para o futebol, eles são empresas. Só na Espanha que não são empresas, são clubes associativos, mas a estrutura é toda profissional. O Barcelona tem escolinhas de futebol no Brasil, tem um patrocinador exclusivo para a América Latina, o melhor jogador brasileiro joga no Barcelona, então o clube usa o mercado brasileiro para fazer ativação e levar gente para lá, ou seja, o Barcelona tem estratégias empresariais para o mercado brasileiro. Outros clubes, como Real Madrid, têm estratégias para o mercado brasileiro. Com os meios de comunicação, TV a cabo e internet, é mais fácil a molecada torcer para um time de fora do que para um time daqui. Consequentemente, pode-se até ter um time daqui, mas a criançada compra camisa do Barcelona e do Real Madrid. Esse mercado movimenta até os camelôs.
Esses clubes ocupam nosso espaço e tiram mercado dos nossos clubes e criam abismo financeiro enorme no qual nossos jogadores com 16 e 17 anos já querem jogar lá. O nosso produto futebol passa a ser ruim. Assim, cria-se esse fosso, que é o que reflete o 7 a 1. A tendência é um abismo cada vez maior entre o futebol, enquanto produto, oferecido na Europa e o oferecido aqui no Brasil.
Minha avaliação deste primeiro ano após os Jogos Olímpicos do Rio de Janeiro é que os jogos foram catastróficos para o País – Ary Rocco, pesquisador
ESQUINAS Entre alguns atletas que perderam patrocínio ou parte do incentivo para treinar estão Isaquias Queiroz e Poliana Okimoto. O que motivou esse movimento contrário, visto que alguns são medalhistas? Qual sua avaliação?
O que motivou esses medalhistas a não terem patrocínio é a falta de interesse da mídia de falar de canoagem e maratona aquática. Consequentemente, quem patrocinar esses atletas não terá visibilidade midiática. Assim, deixa de ser interessante incentivar esses indivíduos porque nós não ligamos a televisão e vemos competições de canoagem, por exemplo. Antes dos jogos era interessante para as marcas, porque os atletas estavam envolvidos nos preparativos, apareciam em séries de reportagens. Houve reportagem sobre o Queiroz e a Okmoto no Jornal Nacional.
O momento pré-jogos gerava pauta. Hoje, ninguém quer falar disso. É um problema que não é social, mas tem finalidade econômica, também devido ao momento de crise que o País vive. E neste momento as empresas precisam escolher onde vão investir. Talvez se não estivéssemos vivendo essa crise econômica, talvez, por terem conquistado medalhas, ambos tivessem patrocínio, mas em momento de crise as empresas estabelecem prioridades e estratégias. Alia-se a isso o fato das confederações de canoagem e de esportes aquáticos tem problemas. Por exemplo, o presidente da Confederação Brasileira de Jogos Aquáticos (Coaracy Nunes) está na cadeia, então, que patrocinador que já não tem dinheiro vai querer associar sua marca a essa gestão negativa?
ESQUINAS Você poderia explicar um pouco mais a relação entre esse clima econômico e socialmente “catastrófico”, como você apontou, entre o cenário pós-megaevento e a gestão das confederações?
Antes dos jogos tínhamos um cenário mais favorável, com empresas querendo investir no esporte porque ele estava em pauta. Quando uma empresa tem mais dinheiro, ela não precisa restringir tanto os investimentos. Com a crise e a redução nas quantias para investir, as empresas vão investir naquilo que geram maior retorno. Se há uma confederação mal administrada, com denúncias de corrupção e você precisa selecionar onde vai investir, você não colocará seu dinheiro nesse lugar, onde o nome da sua empresa pode ser maculado. Todo aquele que for melhor gerenciado e administrado vai levar esse dinheiro.
As empresas buscam investir em organizações mais eficientes, o que, infelizmente, quase nunca é o caso. Com os presidentes e gestores de confederações esportivas no Brasil não recebem por isso, porque esse trabalho não é profissionalizado, sendo entidades sem fins lucrativos, esse gestor acaba sendo menos eficiente que gestores de outras empresas. Quando o dinheiro está sobrando, a seleção (feita pelos patrocinadores) é menor, quando está em falta, é maior. Salvo raríssimas exceções como, por exemplo, talvez, o vôlei, todo o restante é muito mal administrado.
Essa é a relação. Depois dos jogos, isso ficou muito mais evidente, porque não havia mais pauta para as modalidades que não fossem como as que tinham público e que eram bem administradas. Depois dos jogos, o dinheiro passou a ir apenas para quem é mais eficiente.