Mulheres “redescobrem” seus próprios corpos e buscam caminhos para uma vida física e emocional mais harmônica
No Coletivo Feminista Sexualidade e Saúde, em Pinheiros, na zona oeste de São Paulo, Marina Criscuolo, aguardava ouvir seu nome. A médica ginecologista, que não estava usando jaleco, chamou-a para entrar e se sentar em um sofá. Lá, a jornalista passou trinta minutos tendo todas suas dúvidas respondidas. Eram perguntas sobre menstruação, aplicativos e métodos para acompanhar o período fértil, além de dúvidas sobre exames e sabonetes íntimos. Depois de decepções em consultas a ginecologistas, Criscuolo finalmente sentiu-se ouvida por uma “profissional incrível”, como descreve.
As dúvidas acumuladas com o tempo foram sanadas calma e didaticamente pela médica que a atendeu. “Depois disso, ela ainda me mostrou a representação de um útero, um diafragma e até como colocar um Dispositivo Intrauterino (DIU). Em seguida, me ensinou a fazer o exame de mamas, me deu um instrumento para eu fazer o meu próprio Papanicolau e um espelho para eu ver como está tudo lá dentro”.
Esse tipo de consulta pretende aproximar a mulher de seu corpo, algo considerado difícil nas consultas da “medicina convencional”. É algo ancestral e profundo. Iniciativas como A Mandala Lunar 2017, um diário para mulheres feito pelas artistas Chana de Moura e Victoria Campello, propõe o autoconhecimento. “O processo de emancipação feminina consiste em curar as feridas profundas criadas por nossa cultura. Valores que aprendemos a internalizar e que apoiamos e reproduzimos inconscientemente”, escrevem as autoras do projeto. Esse é o Sagrado Feminino, crença que está diretamente relacionada a uma ginecologia mais natural pelo qual Criscuolo foi atendida, responsável por dar a base para que a mulher possa se reconhecer sem muitas intervenções médicas.
Gailesh Bruna, uma das fundadoras da empresa de produtos ecológicos para mulheres Pachamama, define o Sagrado Feminino como “o resgate de viver com naturalidade o seu feminino”. A empreendedora afirma que existem mulheres que criam maior conexão com as plantas e com a transmissão do conhecimento, mas que isso é só uma parte do autoconhecimento. Para ela, o importante, dentro desses rituais, é reencontrar o equilíbrio da identidade feminina livre de imposições sociais e culturais.
A cultura da Ginecologia Natural tem origem em povos tradicionais da América Latina e resgata os ritos das mulheres em seus cuidados íntimos, segundo Bruna. As questões femininas são tratadas com amorosidade e paciência, o que cria uma relação de confiança. A troca de experiências, conhecimentos e formas de curas levam ao apoio mútuo, fazendo, aos poucos, com que a mulher não sinta vergonha da sua vagina, de se tocar, de descobrir o que é uma vulva e o que é um ovário, por exemplo. Mais do que isso, desconstrói a padronização da saúde feminina, na visão da empreendedora.
A psicóloga e doula Luciana Rocha estuda há mais de quinze anos os ciclos femininos da maternidade, entre eles a infertilidade, as demandas emocionais que envolvem a gestação, o parir e o “maternar”, e ressalta que a principal imposição social às mulheres é a maternidade. “Embora tenhamos um movimento que tem se fortalecido pela luta feminista, ainda vemos de maneira muito forte essa cobrança. E isso é fácil de perceber: a mulher entra em um relacionamento, é cobrada para o casamento e a partir do momento que se casa, é cobrada para a procriação. Depois do primeiro filho, cobram o segundo. Além disso, são induzidas a terem partos cesarianos e pouco se conectam ao seu corpo”, afirma.
Segundo a Organização Mundial de Saúde (OMS), o recomendável é que 1,5 a cada dez partos sejam cesarianos. No Brasil, em 2016, esse número era cinco vezes maior do que o recomendável: 8,5 em cada dez partos. Gailesh Bruna aponta para a banalização da cesariana como algo invasivo, que pode acabar com a conexão da mulher com o próprio ciclo maternal. Ela destaca que esse tipo de decisão se tornou cultural, uma vez que pode ser tomada de acordo com os interesses financeiros da área da saúde.
Na Ginecologia Natural são usados métodos que mesclam ervas, chás, aromaterapia e alimentação orgânica. “As medicinas ancestrais são usadas desde o início da humanidade, as ervas e plantas, inclusive, produzem os remédios. Sinto que dá para termos um cuidado com a saúde que seja mais preventivo do que remediador. Para a mulher, esse tipo de medicina é muito importante, é poderoso”, pontua Bruna.