Crise econômica coloca em xeque o Fies e interfere no sonho do diploma de nível superior no Brasil
Aos 40 anos e mãe de duas filhas, a assistente jurídica Flávia de Morais abandonou, em 2012, a carreira em processos gerenciais para cursar Direito na Uniesp de São Roque. Jady Redini, com 17 anos, ingressou na Faculdade São Judas Tadeu no curso de Rádio e TV, mas abandonou a tão sonhada graduação por não conseguir arcar com as despesas da faculdade. O que ambas têm em comum? Em algum momento, recorreram ao Fundo de Financiamento Estudantil (Fies) para conseguirem estudar.
Criado há dezoito anos pelo Ministério da Educação (MEC), na presidência de FHC, o programa proporciona o acesso a faculdades particulares aos alunos que não têm como custear as mensalidades. Assim, é feito um financiamento deste valor, que é quitado após a conclusão do curso. O Fies, porém, vem esbarrando em uma problemática recorrente: a inadimplência.
Em 2016, a taxa de inadimplentes chegou a 53%, de acordo com a Controladoria Geral da União, sendo que 27% dos contratos já apresentam atrasos de mais de um ano. Junto a isso, as condições do financiamento pioraram. Em 2015, durante a presidência de Dilma Roussef, sob a justificativa de “fortalecer a sustentabilidade do programa”, o MEC subiu a taxa de juros anuais do Fies de 3,4% para 6,5%. Em meio a isso, o Fies é um programa extremamente burocrático, sobretudo para os alunos.
A ex-aluna de Rádio e TV Jady Redini, em seu terceiro ano de graduação, passou a ter problemas com o financiamento. O banco responsável pelo gerenciamento do contrato não depositou um semestre de mensalidade. O valor acumulado se tornou impagável para a estudante, o que a motivou a desistir do curso. Hoje, aos 23 anos, ela voltou ao ensino superior, mas agora cursando Tecnologia da Informação na Universidade Paulista (Unip). Desta vez, a jovem optou por não usar o crédito de financiamento, pois não quer “ficar à mercê do governo”. “Penso que seja melhor eu fazer uma faculdade que eu consiga pagar”, diz.
Claudenir Galvani, vice-presidente do Conselho Regional de Economia do Estado de São Paulo, afirma que a sustentabilidade do Fies não depende apenas de mudanças estruturais, mas está relacionada com a economia nacional. O especialista pontuou que os altos índices de inadimplência dialogam diretamente com a empregabilidade do País. “A tendência é que o aluno vá para o mercado de trabalho e não consiga se inserir, aumentando a inadimplência”, explica.
Para ter direito ao Fies, o aluno precisa:
– Não ter sido beneficiado anteriormente com o Fies
– Possuir renda familiar mensal bruta de até 3 salários mínimos por pessoa
– Ter participado do Enem a partir de 2010
– Ter obtido, pelo menos, 450 pontos na média das provas e nota acima de zero na redação
– Não ser beneficiário de bolsa integral do ProUni ou de bolsa parcial do ProUni em curso ou IES distintos
– Começar a pagar as pendências após o período de carência (18 meses), parceladas ao longo de até três vezes o tempo de duração da graduação
Recém-formada em Direito, Flávia de Morais critica o pouco tempo de carência para o início do acerto de pendências com o financiamento. “E se você não arruma emprego até um ano e meio depois?”, diz. Hoje, ela trabalha como assistente jurídica em uma clínica veterinária e tenta aprovação na prova da Organização dos Advogados do Brasil (OAB).
Outro reflexo da crise econômica no Fies foi a diminuição da oferta de vagas entre 2014 e 2015, com uma queda aproximada de 400 mil contratos. Na tentativa de amenizar as preocupações dos estudantes, o ministro da Educação do governo Temer, Mendonça Filho, afirmou que o financiamento voltará a se aprimorar após passar por uma reforma, mas sem mais detalhes: “Não posso adiantar as medidas que serão tomadas”, disse em um pronunciamento em maio de 2017.
Quem mais se beneficia com o Fies são as instituições de nível superior. Em 2014, a Faculdade Anhanguera (do grupo Kroton-Anhanguera) foi o grupo educacional com os maiores repasses de verbas do País ao programa, obtendo 900 milhões de reais. Com isso, a instituição aproveitou o programa de financiamento do MEC para angariar mais alunos e também desenvolveu um próprio, com taxas mais atrativas, o Parcelamento Estudantil Privado (PEP), que possibilita o estudante a pagar até 70% do seu curso só depois de formado.
Samir Maluf, superintendente da Faculdade Anhanguera, pontua de forma institucional: “O Brasil precisa de um desenvolvimento econômico, social e ambiental sustentável, e o Fundo de Financiamento Estudantil auxilia essa progressão”. Nesse sentido, o Fies tem como proposta fazer com que o ensino superior seja possível para as classes sociais mais baixas, assim alterando a projeção de um futuro.
Jady Pelissari, que teve o sonho interrompido pela crise no Fies, ainda fala com saudades do curso que foi obrigada a abandonar. Relembra que seria a terceira geração da família a seguir em Rádio e TV, ofício que aprendera com o avô, João Pelissari. Mas agora, “com os pés no chão”, explica que precisa seguir uma área cujo retorno financeiro seja mais rápido, mas não descarta a carreira em comunicação como parte dos seus planos futuros. “Vejo que o curso que faço atualmente pode agregar com o pouco conhecimento e a imensa paixão que tenho pela comunicação”, confessa.