Livraria especializada em histórias em quadrinhos é espaço peculiar no bairro de Pinheiros, em São Paulo
“Eu tenho 67 anos, então a Gibiteria tem uns 60. Eu sou a Gibiteria”, brinca Otávio da Costa, amante dos livros e quadrinhos, e dono de uma livraria especializada em histórias em quadrinhos, na Praça Benedito Calixto, em Pinheiros, na zona oeste de São Paulo. Todas as semanas, entram curiosos pela pequena porta da loja, escondida no primeiro andar da galeria de fachada laranja. A história da livraria se funde facilmente à história de Costa. “Aos sete anos de idade fiquei doente, tive hepatite na época em que não se tinha conhecimento sobre os vários tipos da doença. Fiquei quatro ou cinco meses de cama. Sabe o que meus pais fizeram para que eu não deixasse o repouso? Me encheram de quadrinhos, do Fantasma e de super-heróis”, relembra o aficionado por gibis para explicar a “origem” de seu negócio.
Formalmente, a livraria especializada em HQs existe há sete anos, mas, surpreendentemente, não gera lucro. Apenas um ano foi excepcional, segundo seu proprietário: 2014. Foi nesse ano que filmes hollywoodianos inspirados em quadrinhos icônicos estrearam nos cinemas. Capitão América 2, O espetacular Homem-aranha 2, Sin City 2, Guardiões da Galáxia e X-men: Dias de um futuro esquecido aqueceram o mercado e renderam, pela primeira vez desde a abertura da loja em 2011, algum dinheiro e esperança de viver da venda de quadrinhos para o dono.
Os primeiros três anos de existência da livraria foram dedicados a divulgar a “marca” Gibiteria. Nesse período, o amante dos quadrinhos criou a promoção “Gibi das 10”. O sistema era simples: às 10 horas da manhã de um dia qualquer, a loja anunciava em suas redes sociais um quadrinho caro, geralmente acima de 100 reais, mas com descontos que podiam chegar à totalidade da margem de lucro da loja. Quando Otávio da Costa ainda era capaz de sustentar o “Gibi das 10”, vendia a peça ao preço de custo, tudo isso para divulgar sua livraria.
A Gibiteria não é grande, mas espaçosa. Os móveis brancos, quadrangulares e repletos de gibis de autores nacionais, que chegam em busca de uma plataforma de divulgação, são planejados para serem deslocados em dias de evento. A única parede sem estantes tem páginas de gibis antigos coladas à mão, uma a uma pela filha de Costa. As outras paredes, disformes, abrigam estantes também planejadas que se adequam a essas variações.
O ambiente é diferente de uma livraria qualquer. Se os adultos que frequentam o espaço já se entregam aos sofás para uma rápida leitura, os olhos das crianças brilham com o colorido das paredes azuis e das capas variadas. O dono da loja explica que, mesmo com a dificuldade de lucrar, o trabalho vale a pena. Emocionado, ele conta que certa vez, um garoto subiu as escadas da galeria, à direita para quem está de fora, e se deparou com a loja. “Ele chamou pelo pai, ficou de boca aberta e repetia: ‘Olha quanto gibi, pai, olha!’. Eu quase chorei naquele dia”.
Mudança de vida
Formado em Psicologia, Costa trabalhou muitos anos de sua vida fazendo pesquisas de mercado. Chegou a fazer levantamento de opinião de eleitores sobre políticos. Os salários eram bons, mas a rotina era corrida e estressante, e acabou o levando ao hospital. Teve um infarto. Após sua recuperação, foi convidado por outra empresa para atuar como diretor. Aguentou mais uma vez a rotina durante três anos. Preocupado com a saúde, decidiu abrir sua livraria especializada em histórias em quadrinhos.
A fala alegre, quase eufórica, mostra que a paixão pela loja sobrevive. As dificuldades financeiras não o impedem de levar algumas novidades para casa e “descansar” devorando HQs. Leitor ávido, Costa conheceu bibliotecas inspiradoras as quais cita frequentemente. A do pai, do avô e do sogro, todas as coleções contribuíram para o amor aos livros que, somados ao apreço pelos gibis, deu origem à loja.
Enquanto concedia entrevista à Esquinas, o dono da Gibiteria almoça. Naquele dia, especialmente, dois clientes apareceram justamente quando ele pretendia comer sua marmita. Logo na segunda garfada, entre a inauguração e o melhor ano da loja, o telefone tocou. Era uma historiadora, aspirante a jornalista, que conheceu pessoalmente uma hora mais tarde, quando veio buscar o último volume, escondido entre tantos gibis nas estantes da livraria, de Capote no Kansas, uma versão em quadrinhos do livro A Sangue Frio, escrito por Truman Capote.