Discutir a Reforma da Previdência é repensar o passado, o presente e o futuro do País
Até 2060, o Brasil terá um terço da população de 218 milhões acima dos 60 anos de idade. As mortes já terão superado os nascimentos e a taxa de fecundidade total será de 1,5 filho por mulher, número semelhante a países como a Alemanha e Suíça. Frente a esse cenário projetado pelo Instituto Brasileiro de Geografia e Estatísticas (IBGE), não espanta que a Previdência Social esteja novamente em debate.
O governo federal busca mudanças com a Proposta de Emenda Constitucional (PEC) 287/2016, conhecida como Reforma da Previdência. As principais medidas incluem aumentar em uma década o tempo de contribuição exigido, estabelecer idade mínima para homens e mulheres e também novas regras para trabalhadores rurais, funcionários públicos federais, policiais e professores. Os militares estão de fora, embora representem 45% do déficit da Previdência Social.
Com a PEC, o objetivo da atual administração – exercida pelo governo Temer até o fechamento desta edição – é conter gastos no orçamento federal. Em 2016, houve prejuízo de 149,2 bilhões de reais no Instituto Nacional do Seguro Social (INSS), quantia equivalente a 2,3% do Produto Interno Bruto (PIB) nacional. Para 2017, o “rombo da Previdência”, como é chamado, é estimado em 182 bilhões de reais. E, de acordo com o governo e economistas, esse número só tende a aumentar caso não sejam feitas mudanças na estrutura previdenciária. Mas há quem discorde.
“Segundo nossa interpretação, não existe déficit na previdência”, afirma Fátima Guerra, economista do Departamento Intersindical de Estatística e Estudos Socioeconômicos (Dieese). No início de 2017, o departamento e a Associação Nacional de Auditores Fiscais da Receita Federal do Brasil (Anfip) elaboraram um documento-síntese intitulado Reforma da Previdência: reformar para excluir? em que diversos economistas contra-argumentam dados, medidas e propostas defendidas pelo governo e corroboradas por outros especialistas da área.
Guerra critica a visão fiscalista do governo e reitera a manutenção do modelo tripartite que compõe a Previdência Social, no qual trabalhadores, empresas e Estado contribuem com a arrecadação. O déficit seria das contribuições que não foram dadas pelo Estado, que se vê endividado e com outros déficits além da Previdência. Os juros com a dívida pública somaram 502 bilhões de reais em 2015, representando 8,5% do PIB. As desonerações fiscais, 280 bilhões de reais, e a sonegação de impostos, 452 bilhões de reais. Enquanto trabalhador e empresa cumprem as obrigações do modelo tripartite, o Estado não paga sua parte.
Desde 1988, a nova Constituição Federal prevê uma série de direitos para garantir o bem-estar de aposentados. Inspirada nos modelos do bem-estar social europeu, a Carta Magna garante auxílios que hoje ajudam na redistribuição e complemento de renda de famílias de quase metade da população brasileira. Para Fátima Guerra, ao procurar corrigir as receitas fiscais do orçamento com a Previdência Social, o governo propõe um “desmonte”.
Mas o sistema previdenciário brasileiro é bastante peculiar se comparado ao resto do mundo, a começar pelos gastos. Atualmente, o Brasil gasta 13% do seu PIB com aposentadorias e pensões, utilizada por apenas 8% da nossa população. Em comparação com o México, de estrutura demográfica similar ao Brasil, os gastos não passam de 6%. “Nós gastamos muito com a Previdência”, afirma Luis Eduardo Afonso, professor da Faculdade de Economia e Administração da Universidade de São Paulo (FEA-USP). Para Afonso, nossos gastos mais onerosos são o longo tempo de benefícios e a alta taxa de reposição, a qual considera “generosa”.
É uma reforma que está sendo feita a curto prazo – Fátima Guerra, economista
Hoje, há duas maneiras de se aposentar: cumprir os benefícios por tempo de contribuição (15 anos) ou atingir a idade de 65 anos para trabalhadores urbanos e 60 anos trabalhadores rurais. Em ambos os casos, há diferenças de público. Quem se aposenta por tempo de contribuição tende a ter renda mais alta, pede a aposentadoria em torno dos 50 anos de idade e continua no mercado de trabalho para complementar a renda. Já o trabalhador de baixa renda demora a cumprir os 15 anos exigidos devido aos números de desemprego e variadas participações no mercado informal de trabalho – e nesses casos o indivíduo aposenta-se por idade. Com a nova proposta do governo, as duas medidas são agora exigidas.
Depois de aposentado, o brasileiro costuma receber um benefício superior a muitos países de primeiro mundo. Valor relativo ao salário recebido antes de pedir a aposentadoria, a taxa de reposição brasileira é de 83%. No México, é de 28% e o Chile, 38%. Em estudo de 2016, o economista Luís Eduardo Afonso afirma: “Quanto menor a renda do segurado, mais elevada será sua taxa de reposição”. Sua pesquisa consistiu em analisar os sistemas de aposentadoria por contribuição e por idade pelos microdados disponibilizados pela Previdência Social. Entre os aposentados por idade, 96% é reposto do salário na aposentadoria, que segue o teto nacional de salário mínimo. Nesses casos, quem recebia menos de um salário mínimo ganha mais como aposentado graças à vinculação do salário mínimo à aposentadoria.
A aposentadoria integral também é alvo das mudanças propostas pelo governo. A PEC propôs uma exigência de 49 anos de contribuições a homens e mulheres para receber a aposentadoria integral, mas após pressões de setores trabalhistas o número caiu para 40. Se aprovada nessas condições, a lei fará com que o trabalhador se insira no mercado formal de trabalho já aos 25 anos de idade para aposentar-se na velhice com os privilégios integrais.
“Empecilhos à aposentadoria podem ser um catalisador muito grande de desconfiança do jovem com o sistema”, diz Fátima Guerra. Segundo a economista, com muitos obstáculos à aposentadoria, o jovem pode deixar de contribuir para investir em uma previdência privada, embora a alternativa não cubra benefícios como licença-maternidade e acidente de trabalho, por exemplo. “É uma reforma que está sendo feita a curto prazo”, define. “E os impactos serão muito grandes, principalmente para os trabalhadores de baixa qualificação”, observa Guerra.
“Previdência não é um tema óbvio”, conclui Luís Eduardo Afonso, que acredita ser necessário pensar a longo prazo para fazer as reformas corretas, ainda que impopulares. Para o economista, discutir o assunto hoje é falar com resultados que acontecerão dentro de 70 anos. Para o jovem que hoje se inicia no mercado de trabalho, é difícil pensar sua situação em 50 anos. Mas uma coisa é certa: tratando-se de aposentadoria, é preciso pensar já.