A dor e a delícia de lecionar em um cenário caótico
A experiência com educação popular é como a música de Caetano Veloso: dois e dois são cinco. Seja na questão estrutural ou na forma como se dá o processo de aprendizagem, ela começa de maneira problemática.
O projeto social em que fui um dos coordenadores e idealizadores, “Troca de Ideias”, visava proporcionar aos alunos do ensino médio da Escola Nide Zaim Cardoso, no município de Mairiporã (SP), uma espécie de curso preparatório aos vestibulares, mais especificamente ao Exame Nacional do Ensino Médio (Enem). Além da preparação, análoga a qualquer outro cursinho, o projeto visava sensibilizar seus participantes, alertá-los e estimulá-los sobre a competitividade do sistema educacional brasileiro.
O nível de conhecimento dos poucos participantes do projeto era desolador, especialmente nas matérias de ciências da natureza e cálculo. Encontramos ali uma defasagem técnica preocupante. Não que os alunos não dominassem as somas e divisões, nem que não soubessem aquilo que causava a doença de chagas, eles simplesmente demoravam para chegar às respostas. E se o domínio de um conhecimento básico já estava precarizado logo de saída, os assuntos mais complexos também estariam.
A culpa é de quem? Do Estado. A necessidade de um Projeto Social de Educação Popular, visando equiparar o quadro da Escola Pública ao da Particular, mostra uma lacuna: o poder público não chega em todas as camadas da sociedade. Seja no Troca de Ideias, ou, nos cursos oferecidos pela USP, como o Arcadas ou o Poli-USP, a mera idealização deste tipo de projeto é uma forma de resistência da sociedade civil em espaços ignorados pela política educacional.
Outro efeito, de caráter mais individual, é como estas questões afetam o ânimo de quem vive essa situação. O aluno atendido por estes projetos, por vezes, quando tem a consciência daquela situação desfavorável de aprendizado provocada pela negligência do Estado, entra em um estado de desânimo. Não é exagero dizer que ante uma situação socialmente complexa nem todos tenham a gana para lutar por uma vaga em universidade pública, por exemplo.
E a situação tende a piorar. Com o congelamento de gastos pelo governo federal nas áreas de Saúde e Educação nos próximos 20 anos, entre outros campos do serviço público, fruto da aprovação da PEC 241 em outubro de 2016, o acesso à universidade também será paulatinamente prejudicado. É difícil imaginar que os gastos se mantenham os mesmos em duas décadas, sustentados apenas pela correção inflacionária. Então, aqueles que dependerão de uma escola pública, encontrão um cenário ainda mais sucateado do que o atual.
A Organização para a Cooperação e Desenvolvimento Econômico (OCDE) divulgou em seu ranking da educação, do ano de 2017, que em um universo de 36 países, o Brasil amarga a penúltima posição, à frente somente do México. Outro levantamento, do ano de 2016, do Programa Internacional de Avaliação de Alunos (PISA), coloca o Brasil em 59º lugar em leitura, 63º em ciências e 65º em matemática. O número de países avaliados pelo PISA conta com 70 nações. É com esta realidade alarmante que convivemos hoje, e que possivelmente, só piorará com a redução de investimento na Educação.
Assim, o ensino popular é apenas a ponta de uma crise educacional precedente. O sistema brasileiro está entre os piores do mundo, seja no quesito pedagógico, seja na estrutura pública, o que faz com que qualquer tentativa de solução imediata não passe de charlatanismo barato.