Samu tem serviços afetados após cortes de verbas federais entre 2014 e 2017
A voz do outro lado da linha pergunta: “192, qual a sua emergência?”. E assim se inicia mais um chamado no Serviço de Atendimento Móvel de Urgências (Samu). Após a orientação pela triagem telefônica dos médicos reguladores, há uma avaliação da necessidade de encaminhar uma unidade móvel ao local da ocorrência. Até agora, nada além do que já se sabe. Porém, nos últimos três anos, foram noticiados na mídia brasileira vários cortes para o setor de emergência na Saúde. As áreas afetadas compreendem desde o atraso na manutenção de ambulâncias até a redução de verbas sem previsão de retorno para o aumento de investimentos.
Dentro do estado de São Paulo, as regiões mais atingidas são, consequentemente, as de maior densidade populacional. Entre elas, a própria capital e Guarulhos, município vizinho. Segundo estimativas do site do Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE), a população da cidade de São Paulo, em 2017, era de cerca de 12,1 milhões de habitantes, enquanto a de Guarulhos, 1,35 milhão. O Ministério da Saúde afirma que é recomendável uma ambulância à disposição para cada 150 mil habitantes. Mas o cenário atual guarulhense compreende seis unidades básicas para toda a população, o equivalente a uma ambulância para cada 225 mil habitantes aproximadamente. Fatores como esse prejudicam o tempo de atendimento das ocorrências e colocam em risco a vida dos pacientes.
Em entrevista ao O Estado de S. Paulo, em maio de 2016, o ex-ministro da Saúde, Agenor Álvares da Silva, admitiu que só havia verbas disponíveis para serviços como o Samu e Farmácia Popular até o mês de agosto daquele ano. A saída seria o financiamento desses programas. O motivo para esse cenário estar ganhando vida é a redução de aproximadamente 5,5 bilhões de reais das verbas.
Em nota oficial de 26 de abril deste ano, o Ministério da Saúde afirma que “o repasse de incentivo de custeio para o Samu 192 de todo o Brasil sempre esteve em conformidade, não há registros de eventuais atrasos ou ausências de pagamentos por parte da pasta”. Ele diz ainda ter repassado, em 2017, um total de mais de um bilhão de reais como incentivo de custeio para o Samu.
Segundo o Sindicato dos Servidores Municipais de São Paulo (Sindsep), em 2017, foi implantado um projeto apelidado de “Samu – Linhas do Cuidado”, com o objetivo de racionalizar os recursos e integrar o serviço às unidades de saúde pública. A ideia era atender mais pacientes utilizando menos recursos e incorporando o Samu às coordenadorias regionais de saúde. Na prática, de acordo com o posicionamento no site oficial do sindicato, as alterações promovidas pelo projeto agravam o cenário da saúde, com cortes de verbas essenciais ao serviço, um número insuficiente de médicos para os atendimentos, fechamento de bases em postos estratégicos das cidades, falta de infraestrutura para os socorristas e aumento do tempo de espera para auxílio à população.
A Prefeitura de São Paulo, por meio de nota oficial, afirmou que, atualmente, conta com 1.150 servidores diretamente ligados à operação de atendimento, excluindo aqueles readaptados e administrativos. Em 2014 e 2015, o serviço contava com cerca de 1,6 mil funcionários e, em 2016 e 2017, 1,4 mil. Os principais motivos para a redução do efetivo na cidade foram “devido às aposentadorias e readaptações”, como diz a nota da Prefeitura.
Bernardo*, um dos auxiliares de enfermagem de plantão do período noturno em uma das bases de Guarulhos, conta que um fator agravante no atendimento à população é a falta de precisão e detalhe das assistências por parte dos médicos reguladores na central. “Isso afeta diretamente o deslocamento das unidades móveis até o local de urgência”, afirma.
No portal do Ministério da Saúde, há uma lista de sintomas que não precisam da utilização do Samu, como febre prolongada, vômito, diarreia, dores crônicas, cólicas renais, corte com pouco sangramento e qualquer outro tipo de situação que não caracterize emergência médica. Bernardo lembra que a base em que trabalha atende normalmente regiões a um raio de dois a cinco quilômetros de distância. Isso não quer dizer que será uma unidade móvel dali que atenderá um chamado próximo. Caso haja outra mais perto, de passagem, será essa a escolhida para o atendimento de urgência.
A base de Bernardo, longe do Centro da cidade, é uma das únicas que atende aquela região. A única ambulância disponível na data de nossa conversa estava quebrada. Ele afirmou que seria levada para a oficina mecânica no dia seguinte, mas que, naquela noite, toda a áreateria o atendimento prejudicado. Durante seu plantão, cerca de seis chamados são atendidos por noite.
Em São Paulo, o número de serviços realizados em 2016 foi de cerca de 328 milhões, enquanto, em 2017, esse número mais do que dobrou, com 664 milhões atendimentos registrados. Já em Guarulhos, os chamados anuais realizados saltaram de 20 milhões, em 2016, para 42 milhões, em 2017. Se as estatísticas seguirem essa tendência, o número de habitantes por unidade móvel será maior, aumentando também o tempo de atendimento e o sucateamento do serviço. Mesmo após a entrega de 300 ambulâncias para São Paulo pela Mercedes-Benz junto à concessionária De Nigris, apenas uma foi entregue a Guarulhos. O restante da frota foi distribuído para outros municípios de São Paulo, sendo que nenhum veículo permaneceu na capital.