Vendedores de comida de rua travam uma batalha diária para garantir seu espaço na gastronomia paulistana
Houve uma intensa tentativa de silenciar as expressões africanas durante o Brasil Colonial. Escravos não tinham o direito de se expressar. Logo enxergaram na culinária a oportunidade de reviver suas origens. Começaram a vender suas comidas nas ruas a quem quer que passasse por ali, para resistirem culturalmente.
Fabiano Batista, historiador e tutor da Unifesp, explica que é preciso valorizar as raízes africanas presentes no País, por não ter uma identidade definida. Elas aparecem na origem das comidas de rua. “O cotidiano da rua vem da ideia de rotas comerciais. Foi trazido, principalmente, pelos escravos”, explica o pesquisador.
Um pipoqueiro que trabalha na saída de uma estação de Metrô de São Paulo e prefere não ser identificado conta que sofre represálias constantes da Prefeitura. “Não é um trabalho com carteira assinada. Fico o dia todo na rua debaixo de sol e chuva. Eles vêm e recolhem tudo”, reclama. Ele acredita que a vigilância sanitária é responsável pela desvalorização do seu trabalho, já que ela torna a regulamentação uma burocracia de interesses.
Por outro lado, Andrea Boanova, analista de saúde médica da Coordenadoria de Vigilância em Saúde da Secretaria Municipal de Saúde de São Paulo (Covisa), destaca que não há qualquer tipo de perseguição da Prefeitura aos vendedores de comida de rua. Ela explica que, além de respeitarem as normas, eles estão sujeitos às leis propostas pela Companhia de Engenharia de Tráfego (CET) e pelo Corpo de Bombeiros. Ambos proíbem a permanência desses comerciantes em locais públicos não demarcados pela Prefeitura. “Os vendedores ficam em portas de faculdade ou estações de metrô, o que é proibido por lei”, justifica. Mas o pipoqueiro ressalta que a Prefeitura cede somente pontos ruins, onde o movimento e o lucro são mínimos.
Há apenas uma exigência da Covisa para garantir a higienização e boa qualidade dos produtos. Para auxiliar nessa questão, a Prefeitura oferece aos vendedores um curso de capacitação gratuito com duração de oito horas. A inscrição é realizada em uma das Unidades de Vigilância em Saúde (UVIS) do município paulista. “Com uma capacitação adequada, boa estrutura e higienização correta, é possível garantir uma comida de rua boa tanto para quem vende quanto para quem compra”, comenta Boanova.
Um dos participantes do curso é o vendedor de espetinhos Paulo Sérgio. Ele fala que as aulas auxiliam os comerciantes a aprenderem como garantir a limpeza e qualidade de suas refeições, como a Prefeitura exige. Mas ele reforça que de nada adianta o curso se não tiver o Termo de Permissão de Uso (TPU), documento obrigatório para vender comida na rua de São Paulo.
A vendedora de cachorro-quente no mesmo local há vinte anos, Elaine, que deseja não ter o sobrenome divulgado, descobriu que estava grávida quando sofreu um aborto natural após se assustar com a chegada de agentes da subprefeitura. “A gente se liberta ao fazer e apresentar o que sabemos”, diz. Esse amor pela profissão a incentiva a continuar trabalhando.
“Aqui na rua é um trabalho cansativo, às vezes até mais do que no escritório. Só que fazemos nosso horário e estamos sempre em contato com tudo e todos”, comenta Naldo. Ele é estudante de Direito pela manhã e vendedor de doces e salgados com o pai pela tarde em frente à estação Jabaquara do metrô. Já o comerciante de açaí Manuel Raimundo conta como o serviço é recompensador pelas amizades e aprendizados que as ruas proporcionam.
Da colonização aos dias de hoje, esse comércio enfrenta resistências e um processo de “gourmetização”. “A comida de rua virou gourmet e se tornou uma massificado. Espaço público deve ser lugar de pluralidade”, defende Fabiano Batista. As batalhas diárias dos vendedores demonstram nada menos do que persistência. É na rua que tiram seu sustento e passam por dificuldades para conquistarem seu espaço, ameaçados pela rigidez da Prefeitura. A cabeça erguida e o sorriso no rosto dos vendedores são as únicas armas que possuem nessa luta diária pela sobrevivência. Luta que envolve a subsistência dos vendedores, a organização do espaço da cidade e uma questão de saúde pública quando o assunto é o estômago dos sempre famintos e apressados moradores de São Paulo.