Congregações políticas brasileiras abandonam as siglas e apostam em nomes sem o termo “partido”
Dois mil e dezessete, ano pré-eleitoral, a movimentação nos partidos já se iniciava. Campanhas, bordões, escolhas de candidatos. Eis que, sem ninguém esperar, uma nova onda surge. É o momento de se afastar do termo “partido”. Legendas são rebatizadas ignorando a letra “P”. A ruína e o desmoronamento do cenário político brasileiro atingiram até os nomes e, para se desassociar de um cenário caótico, a aposta é adotar palavras de ordem que tragam um ar de novidade e representem, de algum modo, os anseios da população insatisfeita com a atual política nacional.
Segundo João Alexandre Peschanski, doutorando em Sociologia pela Universidade do Wisconsin-Madison, nos Estados Unidos, e professor de Ciências Políticas da Faculdade Cásper Líbero, essa tendência pode ser encarada como uma busca dos partidos pela desagregação da ideia de política, já que, nos últimos anos, ela tem carregado um sentido negativo, quase pejorativo. “Por um lado, você tem um desgaste do instrumento político ‘partido’. Entretanto, nos últimos anos, num contexto onde tomar partido é uma posição de não conciliação, acredito que haja essa leitura de precisar se afastar do que é ser um partido. Por outro lado, existe uma tentativa, de certo modo, de modificar a expressão do que é juntar pessoas em um coletivo político”, afirmou Peschanski. O cientista lembra que isso acontece inclusive com organizações sociais. Elas mudam algumas siglas, mas não se modificam de fato.
Carolina de Paula, pós-doutoranda no Instituto de Estudos Sociais e Políticos da Universidade do Estado do Rio de Janeiro (Uerj) acredita que a mudança é algo mais externo, é como se apresentam para a sociedade “Eles mudam a embalagem, por conta da Lava Jato, da rejeição. Tentam se desassociar, no fundo é uma novidade que de novidade não tem nada”, afirma.
Avante, Democracia Cristã, Livres, Movimento Democrático Brasileiro (MDB), Patriota, Podemos, Progressistas e Rede Sustentabilidade, sem se esquecer do Democratas – antigo Arena, PDS e PFL, pioneiro nessa nova onda de alterações. Esses são apenas alguns dos exemplos de partidos que desistiram da letra inicial que comumente acompanha as siglas. Se eles perderam, ou desgastaram suas ideologias de origem, sobram-lhes apenas a marca. Os nomes se tornam slogans mercadológicos para vender uma ideia há tempos obsoleta. Se tomar partido gera descontentamento e as ideias não conquistam por si só, chegou a hora de comercializar a política: compre a ideia do “meu partido”. Um nome atraente e inovador tenta conquistar o eleitorado tão desiludido.
Desde a Constituição de 1988, o Tribunal Superior Eleitoral (TSE) contabilizou 14 mudanças em nomes de partidos. O País possui mais 58 siglas partidárias pedindo registro no TSE e, desse número, 12 não utilizam o termo “partido” em sua nomenclatura. Existem ainda aqueles que, apesar de utilizarem a palavra em seu nome, solicitam à Justiça Eleitoral a utilização de um nome fantasia, sem o termo, como é o caso do Partido Novo, que costuma usar apenas a segunda parte do seu nome. Paula também afirma que, além de tudo, alguns movimentos novos, de fato, foram aparecendo, principalmente após 2013. Foram iniciativas de renovação política, que não viraram partidos. É mais fácil, para alguns deles, aliarem-se aos partidos, que também buscam outros nomes para renovação.
Segundo uma pesquisa realizada pela Escola de Direito da Fundação Getúlio Vargas (FGV) de São Paulo, divulgada em outubro de 2016, apenas 7% dos brasileiros dizem confiar nas siglas partidárias. O Congresso Nacional, principal celeiro dos partidos políticos brasileiros, tem um pouco mais de credibilidade: o número sobe para 10%. Cabe lembrar que, no cenário internacional, isso também acontece, como destaca Carolina de Paula. Essa tendência, portanto, não é exclusividade do Brasil e indica que, lá fora, congregações políticas andam também um tanto quanto desgastadas.
A dança de siglas pode trazer também situações inusitadas. Na Espanha, o Podemos, partido de esquerda criado em 2014, criticou o homônimo brasileiro, dizendo que estava surpreso por “amigos de Temer” adotarem o nome. Outros exemplos de nomes criativos que podem trazer desavenças futuras no cenário global são o En Marche!, que colocou Emmanuel Macron na Presidência francesa no início de 2017, e o Aurora Dourada, partido conservador neonazista grego.
Esse movimento camaleônico não passa de mera formalidade. Alteram-se os nomes, mas as ideias permanecem. Em português claro: é trocar a sopa de letrinhas por um velho caça-palavras que distraia o eleitor dos velhos problemas da política brasileira e mundial. Na prática, a busca pelo nome “descolado” da vez é apenas a tentativa de criar uma espécie de sobrevida para partidos que estão fadados a imagens enraizadas no inconsciente nacional. Com o pleito de outubro de 2018, resta a pergunta: qual será a próxima palavra?