O cenário econômico atual e a geração Y dão o tom a um novo modelo de trabalho
No terceiro ano do Ensino Médio, em uma escola pública, um amigo lhe contou que daria para abrir uma empresa pagando pouquíssimo por mês sem comprovar renda nenhuma. Matheus Balsis duvidou. Ouviu a vida inteira que precisaria ter muito dinheiro para iniciar um negócio. Quando chegou em casa, pesquisou na internet e viu que era, sim, possível. Resolveu então abrir a própria empresa e ver no que dava. Mas havia um problema: era menor de idade. Ao conversar com os pais, decidiram emancipá-lo. Com 17 anos, o jovem abriu a MB Marketing Digital e se deparou com um mundo totalmente diferente daquele que costumavam apresentar a ele. “É como se a gente estivesse morando em um jardim e existisse um muro, mas a gente nunca vê depois desse muro. Uma vez que a gente olha além desse limite e vê um jardim maior, nunca mais se sente confortável naquele jardim pequeno”, explica o empreendedor.
Histórias como a de Balsis estão se tornando cada vez mais comuns entre os millennials – definição sociológica para determinar os nascidos entre os anos 1980 e meados da década de 1990 –, também conhecidos por Geração Y. Uma pesquisa realizada pela Mind Miners e o Centro de Inteligência Padrão (CIP), em 2016, analisou tendências sociais do trabalho e de consumo dessas pessoas. Ela aponta que 71% dos 1330 jovens consultados pretendem mudar de emprego ou atividade entre dois e cinco anos. Dentre eles, 51% querem seguir o ramo do empreendedorismo e do negócio próprio. “Eles consideram o mercado formal de trabalho rígido, com muitas regras, e enxergam o empreendedorismo como forma de dar vazão às suas ideias, sendo seu próprio patrão”, afirma a professora e pesquisadora da Fundação Escola de Sociologia e Política, Carla Dieguéz, doutora na área de Sociologia do Trabalho.
Para Dieguéz, boa parte se emprega no setor informal por causa da retração dos empregos formais e a legislação trabalhista que “formalizou a informalidade”, acarretando na falta de perspectivas no mercado de trabalho e o chamado empreendedorismo por necessidade. De fato, segundo dados do Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE), do primeiro trimestre de dezembro de 2017 a fevereiro de 2018, o número de empregados no setor privado com carteira de trabalho assinada caiu 1,8%, o que corresponde a aproximadamente 611 mil pessoas.
A busca dos millennials por um novo modelo de trabalho significa a quebra de um paradigma. “Os jovens não querem mais uma vida estável, algo regrado. Querem trabalhar por um propósito, não por simplesmente trabalhar”, afirma Adriana Cubas, coach profissional e criadora do canal de mesmo nome no Youtube, que trata de desenvolvimento pessoal e profissional, com mais de 90 mil inscritos e 2,7 milhões de visualizações.
Essa nova visão pode causar estranhamento nas gerações anteriores. No início, a principal dificuldade de Balsis foi lidar com a falta de apoio familiar, que não aceitava a escolha de seguir um caminho diferente dos demais ao não fazer faculdade e querer empreender. Hoje, aos 20 anos, após desistir do curso de Análise de Sistemas no quarto mês e investir no setor de marketing digital, o empresário trabalha em um coworking – local em que vários profissionais ou empresas compartilham o espaço – e afirma que teve dificuldades no começo. “Foi difícil, pois nem o notebook eu tinha e precisava muito dele para trabalhar”, relata. O jovem viu no empreendedorismo a chave para a sua ascensão social e hoje enxerga uma melhora em sua condição financeira e estilo de vida.
Uma forma de empreender que vem ganhando destaque nos últimos anos são as startups. Segundo o Sebrae, startup é um grupo de pessoas à procura de um modelo de negócios repetível e escalável, trabalhando em condições de extrema incerteza. Basicamente, combina pessoas, uma ideia diferente que possa ser entregue em escala potencialmente ilimitada e a mínima possibilidade de dar certo. José Abuchaem, cofundador da ferramenta de gestão para lojas virtuais Nuvem Shop, relata que sua inserção nesse mercado, enquanto jovem, não foi marcada por impedimentos financeiros. “Na época, todos morávamos com os nossos pais e o dinheiro não era um problema, então conseguimos investir o nosso tempo para desenvolver este tipo de projeto”, relata.
Casos como o de Balsis e Abuchaem se mostram excepcionais ao analisar o contexto econômico atual. Para grande parte dos millennials, a maior dificuldade está na falta de experiência ou de escolaridade exigida pelo mercado. De acordo com Carla Dieguéz, em um país de grande desigualdade econômica e social, no qual o acesso ao ensino superior ainda é restrito, boa parte dos jovens não alcança a escolaridade para obter melhores empregos com melhores salários. Eles se restringem ao mercado informal, com salários menores. “O contexto atual não é favorável a nenhum tipo de trabalhador, mas é mais difícil para os jovens, especialmente os menos escolarizados”, afirma.
A experiência do empreendedorismo para Bianca Cavalcanti, de 20 anos, não foi tão feliz como aconteceu com Balsis e Abuchaem. A jovem que vive em São Matheus, periferia de São Paulo, viu na marca Cruz a oportunidade de expressar sua criatividade com a criação de uma linha de roupas femininas, quando existia apenas o masculino da marca. Após ingressar no negócio, investiu junto a dois sócios cinco mil reais, e lucraram todo o valor. O próximo passo era obter o dobro do lucro. Porém, uma dívida não paga no momento da confecção desencadeou a saída de Cavalcanti e a compra da marca por parte de um dos sócios. Hoje, trabalha no setor de beleza, realizando serviços a domicílio e conta que continua sonhando em seguir um negócio próprio mas, dessa vez, sozinha.
Ainda que esse paradigma da geração Y preze por um modelo de trabalho com propósitos e ideais, o contexto econômico e social influencia diretamente nos resultados e experiências individuais. Cubas afirma que não se deve vender uma imagem glamourizada do empreendedorismo. “Ser empreendedor não é uma fórmula mágica e não é sinônimo de riqueza. São noites sem dormir, dificuldade financeira e muita burocracia. O empreendedorismo é ótimo, desde que se tenha os pés no chão”, esclarece a coach.