Inclusão de transexuais em times esportivos amadores e profissionais ainda gera polêmica no Brasil
“Quando ela vai bem, a gente acha que ela tem vantagem, quando ela vai mal, a gente acha que ela está segurando. É difícil julgar, mas será que começando o tratamento depois dos 30 anos de idade ela pode ser considerada mulher? Se eu fosse uma menina e outras trans viessem jogar, será que eu conseguiria acompanhar?”. Essas foram algumas das questões levantadas por Suelle Oliveira, ponteira do time de vôlei Hinode Barueri após a contratação da atleta transexual Tifanny Abreu pelo rival Vôlei Bauru.
Tifanny é a primeira mulher trans a jogar a Superliga de Vôlei Brasileira. Em sua temporada de estreia na liga feminina, já possui números expressivos dentro do campeonato e atingiu a maior média de pontos por set. Diante de tamanha performance, a atleta trouxe à tona a discussão sobre até que ponto a participação de transexuais no esporte influencia na competitividade.
Aprovada pelo Comitê Olímpico Internacional (COI), Tifanny está dentro dos critérios que exigem para mulheres transgêneros o tratamento hormonal para reduzir a testosterona do corpo. Desde o início de 2016, o comitê não solicita mais a cirurgia de readequação sexual para ambos os sexos. Thomas Pereira, transexual e ex-jogador de rugby da Universidade Paulista (Unip), afirma que essa mudança de exigência é vista como um progresso para os trans, pois o gênero com o qual alguém se identifica não é necessariamente assumido e reconhecido apenas quando se realiza uma cirurgia.
Entretanto, o critério de inclusão do COI apresenta falhas, pois, segundo Alexandre Camara, especialista em Endocrinologia do Esporte, a testosterona é um dos fatores que garante vantagens esportivas, mas não é o principal. O critério do COI estabelece o nível de dez nanomols de testosterona no sangue, valor mínimo para o homem, que tem em média de 10 a 30. A média da mulher é abaixo de três nanomols. Para Camara, o comitê fez o critério com base no valor mínimo do masculino para dizer que tudo que está para baixo é relativo a mulheres, havendo um vão entre as médias masculinas e femininas, já que mulheres não chegam a ter oito nanomol no sangue.
Na visão do especialista, Tifanny teria vantagens no esporte pelo fato de ter iniciado o tratamento hormonal há apenas dois anos. “Por mais que fique um tempo regulando testosterona leva muito tempo para se igualar a uma pessoa que nasceu mulher”, explica. Porém, para ele, a solução não seria impedir pessoas transexuais de integrarem os times esportivos, mas sim a readequação dos critérios de regulamentação.
Ao mesmo tempo que influencia para que outros atletas trans sejam incluídos em outros campeonatos, a participação da jogadora em uma das principais ligas esportivas do Brasil também gera desapreço. “Sou contra a participação da Tifanny, não pelo fato de ela ser trans, mas pelo fato que ela tem vantagem”, afirma Thaís Cristina, membro da torcida organizada do time de voleibol Loucos por Osasco.
A inclusão de transexuais atingiu também o esporte amador e universitário. A Liga das Atléticas Acadêmicas de Comunicação e Artes (LAACA) determinou que, a partir de 2018, atletas transexuais podem jogar nas modalidades do gênero com os quais se identificam. Guilherme Abreu, atleta transexual de handebol do Centro Universitário Belas Artes, fez seu primeiro jogo oficial no campeonato deste ano e comemora a inclusão. “Com essa iniciativa, outros atletas trans serão incentivados a participar da competição e haverá uma quebra de vários preconceitos”, acredita.
Outro exemplo da inclusão de trans é o time amador Meninos Bons de Bola. O projeto começou em agosto de 2017 e contava com apenas quatro homens trans. Hoje já são 30. “O time é importante pois os meninos conseguem fazer aquilo que eles gostam e também usam esse espaço para fazer amizades, trocar experiências e ter acompanhamento com psicólogo”, afirma Raphael Martins, coordenador e idealizador do time. Quando questionado sobre uma possível criação de uma liga própria para transexuais, Martins defendeu justamente o oposto. “Fazer uma liga separada só mostra o quanto somos marginalizados, excluídos e diferentes”.
A ideia de inclusão por meio dessa suposta liga talvez geraria o efeito oposto, segundo Alexandre Camara. “A criação de uma liga separada não funcionaria por conta do número de pessoas que têm, pois são poucos atletas e muito menos transgêneros. Acredito que excluiria mais, porque seriam pouquíssimas pessoas que ficariam competindo”, opina. É fato que muito ainda precisa ser debatido. A inclusão de Tifanny Abreu abriu muitas portas, ao mesmo tempo que criou outros desafios para os transexuais. A participação desses atletas é necessária. Entretanto, a maneira que serão incluídos ainda é incerta e gera discussões.