Não sei, mas meu coração ainda diz que sim
Bem amigos do futebol clube, abram-se as cortinas e comece o espetáculo! É disso que o povo gosta: “ripa na chulipa e pimba na gorduchinha”, como já dizia Osmar Santos. Porém, “pelas barbas do profeta, não, não é isso que você está pensando”! Estou falando da bola trazida por Charles Miller ao Brasil em 1894 e, com ela, o esporte mais popular e amado do país, o futebol.
Apesar de não podermos generalizar nada, há de se concordar que esse esporte é amado no Brasil e, não à toa, somos o “país do futebol”. São criadas teorias aos montes para explicar essa paixão: 1) uma manifestação cultural, como defendem alguns sociólogos; 2) atua como alienação aos problemas nacionais, pegando como exemplo o apoio de Getúlio Vargas à profissionalização do esporte – o que era conquistado em campo, então, era uma conquista da pátria, diziam na ditadura militar; 3) é “talento natural” do povo brasileiro, como defendia Gilberto Freyre. Enfim, são muitas as razões para se perguntar por que o Brasil seria o tal escolhido.
Copas: 1958, 1962, 70, 1994, 2002 e, de repente, 2014: gol da Alemanha. E isso por mais seis vezes. TVs desligadas, gritos entalados na garganta, risos de rivais, estádio calado. A Copa foi no Brasil e o Brasil não foi o futebol, foi vexame. Nós somos ainda o país do futebol? “É e sempre será”, disse o meia alemão Podolski após o 7×1, mas era fácil, eles tinham sido campeões em cima da Amarelinha e nada apagaria uma das maiores goleadas da história das Copas –ficamos atrás por 3 gols do recorde 10×1 da Hungria em cima de El Salvador, em 1982.
Somos pentacampeões do mundo e, mesmo assim, as conquistas se apagaram e, em campo, não jogaram as taças, jogaram os homens. Falharam feio como falhou a Alemanha de 1954, quando perdeu de 8×3 para a mesma Hungria massacrante do 10×1, mas, pasmem, a campeã naquele ano foi a mesma Alemanha. Não de 7, o placar foi 3×2. Depois disso, a Alemanha foi campeã em 1974, 1990 e no doloroso 2014. O que o Brasil tem a ver com isso?
De 2014 para cá, muitas modificações aconteceram. Primeiro na política e na economia, depois nos resquícios de uma Copa mal-sucedida (no esporte e fora dele). Em 2016, chegaram as Olimpíadas. “Pentacampeão do mundo e nenhuma medalha de ouro nos Jogos Olímpicos”, os inquisidores disseram. Rogério Micale, criticado como qualquer técnico que não tem segurança profissional no Brasil, teve que segurar a bucha da camisa destratada, do desgosto nacional que era a Seleção Brasileira, mesmo que fosse a Seleção Olímpica. Mas o “improvável” aconteceu. O goleiro alemão Horn para a direita, bola chutada pelo atacante Neymar na esquerda. Brasil campeão. Os meninos estavam de volta e, contra quem? Eles mesmos, os alemães.
A seleção era olímpica, diferente da do 7×1, mas o sentimento que nunca saiu do coração machucado pelas travas da chuteira amarela, vermelha e preta da bandeira alemã estava ali: lágrimas no Rio de Janeiro, dentro e fora dos gramados, circundando sorrisos tímidos de quem sempre acredita. “Eu estou aqui”, disse Neymar logo após a cobrança de falta nessa final. E todos nós também estávamos.
Isso resgatou o nosso amor pela camisa? Não, não pode ser resgatado aquilo que nunca foi perdido. Prova disso são os estádios, o lucro dos clubes e arenas, as camisas vendidas e a máquina que é o futebol no Brasil. Pode ser o seu time ou o meu, mas o futebol é uma das raízes mais sinceras, um dos choros mais doídos, o único amor inexplicável. “Cego é aquele que só vê a bola”, disse Nelson Rodrigues, e excetuando todos os problemas que envolvem o futebol, como a corrupção e a violência, a pelota é o que menos importa.
Fui esses tempos ao Museu do Futebol, no Pacaembu, e perguntei, no Dia das Crianças, a um menino que via tristemente ao vídeo da Copa de 1950, quando os uruguaios calaram o Maracanã, se o hexa vinha. A resposta dele? “Não sei, mas meu coração diz que sim”.
Não sabemos, não há como saber. Podem criar teorias para o exato, mas quando o assunto envolve paixão, pode ter um Uruguai campeão em 1950, um Brasil bicampeão de Pelé e Garrincha eliminado na primeira fase na Copa em 1966, ou a eliminação nas oitavas frente à Argentina “batizada” de Maradona em 1990. Todos esses foram 7×1. E o que houve? Nada, pois meu coração também diz que sim. Seguimos, país do futebol ou não, amando aquilo que é nossa dor… E é também cura.