Mulheres se organizam para retomar seus lugares no mundo dos computadores
Iniciativas lutam por reconhecimento em uma sociedade em que apenas 7% dos desenvolvedores de programa no mundo são mulheres, segundo pesquisa da Stack Overflow. “O computador da minha casa pertencia ao meu irmão e eu jogava nele quando não estava usando ou quando ele me deixava usar”, lembra Iana Chan, co-fundadora da PrograMaria. Jornalista por formação, hoje Iana é uma das protagonistas do crescente movimento feminino em prol da redução da disparidade de gênero na tecnologia. Trata-se da organização de iniciativas que, a partir de ações online e presenciais, incentivam o debate em torno da questão, ao mesmo tempo em que aproximam mulheres das tecnologias na prática.
O movimento é uma reação à baixa participação feminina no setor, marcado pelo assédio moral e sexual, salários significantemente menores para elas (mesmo que sejam mais qualificadas) e menos oportunidade de promoção em comparação a homens. Esse domínio masculino da área está relacionado à popularização de computadores pessoais. Logo que passaram a ser comercializados para o grande público no final dos anos 1970, é possível verificar pelas campanhas publicitárias da época que houve a construção de uma narrativa que os vendia como brinquedos para meninos. O anúncio do Apple II de 1979 trazia, por exemplo, a imagem de um homem utilizando o computador sendo admirado por sua esposa da cozinha, assim como uma propaganda da Atari, de 1981, coloca um menino usando o aparelho sendo incentivado por seu pai com olhares de fascinação de sua mãe e irmã, que não chegam a encostar na máquina. Essa falta de representatividade somada à percepção social de que tecnologias são “coisa de menino”, contribuiu para o afastamento de mulheres do setor já em meados dos anos 1980.
O curioso é que até a computação se tornar um negócio lucrativo, as mulheres foram responsáveis por grandes contribuições para a área. As líderes de grupos pela redução da disparidade de gênero na tecnologia podem ser vistas em fotos nas redes sociais usando uma camiseta com os dizeres “Lovelace & Hopper & Vaughan & eu”, uma homenagem a Ada Lovelace (1815-1852), primeira pessoa a escrever um algoritmo processado por uma máquina – conhecida também como a “mãe da programação”; almirante Grace Hopper (1906-1992), inventora do primeiro compilador para uma linguagem de programação; e Dorothy Johnson Vaughan (1910-2008), primeira afro-americana a liderar uma seção da NASA, cuja história é retratada no filme “Estrelas Além do Tempo” (2016). “A gente não quer ficar olhando só para mulheres no passado ou que estão em países de primeiro mundo com condições muito melhores do que as nossas. Se é para ter mulher na tecnologia, a gente quer fazer isso”, enfatiza Cynthia Zanoni, fundadora do grupo WoMakersCode, durante a abertura do workshop de programação Women Dev Summit para mais de 60 mulheres, realizado no espaço coworking CUBO, em março de 2017.
“A gente sonha com o dia em que o nosso projeto vai se tornar inútil porque as mulheres já vão ter conquistado seu espaço na tecnologia”, constata Iana Chan. Hoje, a PrograMaria e outros grupos como Desprograme, MariaLab, Vedetas e WoMakersCode atuam sob o mote do empoderamento feminino pela tecnologia e organizam palestras, workshops e cursos para aproximar as mulheres do mundo da computação. Para Cynthia Zanoni, o empoderamento se dá pelo aprendizado, já que mulheres capacitadas têm mais autonomia diante de cenários restritivos. “O primeiro passo é aprender. Depois, não tem limite”, sintetiza.
O debate não é recente. Judy Wajcman, no livro Feminism Confronts Technology, de 1996, aponta que equiparar numericamente homens e mulheres na tecnologia não é tão efetivo para solucionar o problema da falta de diversidade na inovação, já que, muitas vezes, significa que mulheres precisam apagar suas características consideradas femininas para se manter no setor, enquanto que o processo contrário não é socialmente exigido aos homens. A questão é, portanto, fazer com que as empresas, escolas e universidades alterem as estruturas que tornam a tecnologia associada com o masculino.
É o trabalho que Carine Roos desenvolve desde 2016 pela UpWit, consultoria de inteligência de gênero e inovação. “Percebemos que precisávamos desse trabalho não só com as mulheres, mas com empresas também”, diz. Para ela, é necessário dialogar diretamente com empresas de forma a auxiliar na transição para uma cultura que visualize na diversidade e inclusão de minorias um vetor de inovação. “Estamos trabalhando em um programa de equidade de gênero que pode ser aplicado em empresas de tecnologia e de outros setores”, explica. Para isso, a UpWit realiza workshops e treinamentos para promover a liderança feminina. É o caso do Woman’s Health Tech Weekend, hackathon realizado em março no Clube Hebraica, no qual foram pensadas colaborativamente soluções tecnológicas voltadas para a saúde da mulher.