Modelos com vitiligo surgem no cenário da moda e fomentam mudanças no padrão de beleza
As mudanças nos padrões de beleza têm avançado na sociedade e a moda representa essas transformações, visíveis quando estilistas trazem um quadro diversificado de modelos. Como na edição de inverno 2017 da São Paulo Fashion Week, em que Gloria Coelho trouxe mulheres jovens e idosas desfilando juntas e Ronaldo Fraga pessoas com corpos dos mais variados, baixos, altos, magros, gordos para seu desfile. São muitas transformações, como a que questiona o mito da “pele perfeita”, que vem sendo afrontado no Brasil e internacionalmente, por modelos com vitiligo, doença caracterizada pelo surgimento de manchas brancas pelo corpo.
O cearense João Vital, de 23 anos, é um modelo que coloca em xeque tais padrões. O jovem convive com a vitiligo desde sua adolescência. Crises com a família e revelação de sua homossexualidade para parentes e amigos fizeram com que ele mudasse seu comportamento. “Tornei-me uma pessoa raivosa, isolada”, relembra. Vital conta que um dos passos para a autoaceitação foi a fotografia, uma de suas válvulas de escape, com a qual acabou desenvolvendo aptidão para também posar na frente das câmeras.
No exterior, o nome da moda associado ao vitiligo é o da modelo Winnie Harlow, que já foi capa de revistas como a Elle e estrelou o videoclipe “Lemonade”, da cantora Beyoncé. Mesmo assim, a representatividade ainda é pouca. Harlow é a única modelo de destaque internacional com a doença dermatológica. Já em cenário nacional, o modelo Sam Gonçalves foi a única pessoa com vitiligo a desfilar na semana de moda paulistana em outubro de 2016. O caminho para a representatividade é longo, mas demonstra avanços.
“A moda tem se tornado cada vez mais democrática, palco para a valorização de todos os tipos de beleza”, define a editora-chefe da revista digital para profissionais da moda WorldFashion, Eleni Kronka. Cada vez mais, ela dá a possibilidade de expressar sua diversidade nas atitudes, nas roupas e até na pele dos modelos. Para ela, a moda pode ser uma boa escapatória para o mundo impregnado de ódio e preconceito.
O site americano The Fashion Spot lança a cada edição das semanas de moda um boletim da diversidade, no qual é possível analisar o aumento de modelos que fogem do padrão tradicional de beleza, jovens, brancos e magros. Na coleção da primavera de 2015, em Nova York, 20,9% dos modelos eram negros, já na de outono de 2016 a porcentagem cresceu 11%.
“O mercado da moda em si é muito aberto para alguma coisa que você tem em especial”, pontua Lica Kohlrausch, empresária da agência de modelos L’equipe Agence. A empresária acredita no papel da moda de representante de ideias existentes na sociedade. “Ela é uma mensageira e também dá voz para as pessoas”, afirma. Com isso, a moda seria capaz de ajudar a espalhar informação sobre a vitiligo e trazer visibilidade para o assunto, como é o caso de Vital.
Até agosto de 2017, o Sistema Único de Saúde (SUS) atendeu em sua rede quase 28, 5 mil pessoas com vitiligo. De acordo com a clínica geral Hérica Campos, não existe uma explicação consistente para o desenvolvimento do vitiligo. A doença é diagnosticada como autoimune e é comum sua aparição ocorrer em momentos de estresse e ansiedade intensos, como foi para o modelo cearense, não necessariamente em umas faixa etária específica.
A maioria dos pacientes de vitiligo não manifesta qualquer sintoma além do surgimento das manchas. Segundo ainda o Ministério da Saúde, uma grande preocupação são as manifestações emocionais que podem se desenvolver. As pessoas com vitiligo podem ter a vida social e profissional prejudicadas pelo estigma preconceituoso que as cercam, com isso ficam mais estressadas e deprimidas, o que piora a imunidade e agrava os desdobramentos da doença. Por isso, recomenda-se o acompanhamento psicológico que pode ter efeitos bastante positivos nos resultados do tratamento.
Com o atendimento profissional e a fotografia como hobby, Vital recobrou o amor por seu corpo e ainda encontrou uma profissão. “Eu não me vejo sem vitiligo, ele é parte de quem eu sou. A doença me fez enxergar a quebra de preconceitos em mim mesmo, encarar a vida de maneira mais natural”, conta. Dessa forma, o modelo ajuda a construir representatividade e inclusão na moda, agindo como referencial.