Entre uma história e outra, Larissa Siriani trabalha o empoderamento de pessoas gordas
A paulistana Larissa Siriani começou a escrever ainda criança, com pequenos contos que foram dando lugar a enredos cada vez maiores. Nunca se sentiu representada por nenhuma das histórias que lia. A mensagem transmitida era a de que ser gorda era algo feio e vergonhoso. A autora só teve a ideia de mudar a situação em meados de 2012, quando percebeu a falta que lhe fez não ter um exemplo de corpo parecido com o seu na literatura. A reflexão deu origem ao seu primeiro livro “Amor Plus Size”.
A luta da autora contra a balança começou ainda na época do colégio e ficou mais intensa no período da adolescência. Siriani conta que entre os seus 15 e 20 anos, ela não usava shorts, não ia à praia e não usava biquíni, privando-se de várias experiências, porque tinha vergonha do seu corpo. Pensava em maneiras de se encaixar nos padrões de beleza e, a partir disso, começaram as dietas, os remédios, os procedimentos estéticos e a compulsão por emagrecer. Foi durante uma sessão com a esteticista na qual levava vinte injeções na barriga que decidiu mudar sua relação com o corpo. Pediu para a profissional parar, levantou-se e não voltou ao local. “Nunca mais iria fazer nenhum tratamento que exigisse que maltratasse meu corpo para perder peso. Eu precisava entender que ser gorda não é uma doença”, explica. A mudança começou a fluir e, aos poucos, Siriani não fugia mais do próprio reflexo, não escolhia mais roupas largas para esconder o corpo e começou a achar coisas de que gostava em si mesma.
Enquanto o processo de aceitação evoluía, uma ideia crescia na mente da autora. Segundo ela, durante muito tempo, a literatura retratou apenas o que era considerado belo e utópico. Siriani conta nunca ter visto uma personagem gorda, apenas retratos de pessoas sem autoestima regrando seus pesos por tudo, mas ninguém que se assemelhasse a sua personalidade e corpo. Foi quando começou a pensar: “Eu não sou a exceção. Eu sou a regra. Ninguém é perfeito e essa ilusão de que só tem gente magra no mundo é absurda”. Siriani começou a imaginar um pequeno universo em que os personagens seriam como pessoas da vida real: imperfeitos e inseguros, nascendo assim o “Amor Plus Size”.
O segundo livro da autora, lançado em fevereiro de 2017, “Princesas GPower”, nasceu com a intenção de mostrar a importância da representatividade na literatura. Para Siriani, o tema escolhido para selar os contos – princesas – é fantástico, pois desconstrói a imagem historicamente padronizada. No livro, as meninas frágeis, magrinhas e idênticas dão lugar a protagonistas decididas e diversas. Com a mensagem de que serem gordas não as impede de viverem aventuras incríveis, Larissa Siriani, Thati Machado, Janaína Rico e Mila Wander são as coautoras responsáveis pela obra, falando respectivamente das conhecidas histórias da Bela Adormecida, Malévola, Cinderela e Pequena Sereia, mas significando-as de um jeito diferente do usual.
A percepção da gordofobia, combatida pelas autoras no livro, popularizou-se recentemente, mas para elas esse sempre foi um preconceito existente na sociedade. “Precisamos entender que diariamente pessoas gordas sofrem não por serem gordas, mas por não serem aceitas. Por serem menosprezadas e diminuídas no ambiente escolar, profissional e até mesmo familiar”, afirma Thati Machado. Mesmo com a evolução do mercado editorial, existem poucos livros que abordam esse tema e, segundo a autora, isso acontece pelo fato de que as pessoas acima do peso ainda estão no processo de encontrar sua voz e de não se calar diante dos estereótipos constantemente impostos. Por ser algo relativamente novo, Machado acredita que o tema ainda é um tabu e trabalhar para que ele seja quebrado é um processo lento de desconstrução.
Além disso, Larissa Siriani afirma que as pessoas não compreendem como a gordofobia funciona, pois remetem o termo apenas a ofensas, mas é preciso ter em mente um sistema de exclusão. São pequenas atitudes diárias “invisíveis” aos olhos da população – como entrar numa loja e ser mal recebida, porque seu manequim é maior do que 40 – que compõem o significado de gordofobia para a autora. Mesmo passando por essas situações e tendo um histórico de negação com seu próprio corpo, Siriani hoje entende que não há nada de errado com ele e passou a aceitá-lo da forma que é. Embora, segundo ela, há muito caminho a ser percorrido, conta que em 2017 foi à praia e usou, pela primeira vez, o biquíni que tanto a assustava. “Ter consciência de que ainda preciso trabalhar os momentos maus como qualquer indivíduo é o ponto-chave. Situações que antes eu preferia esconder e fingir que não estavam acontecendo, hoje as encaro de frente, juntamente com os meus leitores”, conclui, sorrindo.