Conheça Paulo Milhan: do envolvimento com o tráfico de drogas ao amor pela literatura
A infância do escritor Paulo Henrique Milhan, hoje com 43 anos, em Andirá no Paraná, resumiu-se a brincadeiras com amigos, os mesmos que se envolveriam com o crime mais tarde. A ambição aumentou na adolescência, quando se separou definitivamente dos caminhos traçados pela família religiosa. “Sempre fui a ovelha negra”, diz. A família não passava por necessidades, mas para ajudá-la transportava os boias-frias das fazendas nas redondezas por alguns trocados. Enquanto isso, o menino concluía o ensino médio no período noturno.
Milhan queria mais. Os rolos eram uma fonte de lucro atrativa. “Comprava um carro e vendia, comprava uma moto e vendia, comprava um terreno e vendia”. Ainda assim, não foi suficiente. Após uma operação policial, o tráfico na sua cidade cessou e, ali, Milhan viu uma nova oportunidade de lucrar. Entre quantias de lança perfume, cocaína e maconha, o jovem se tornou um dos maiores traficantes de Andirá. Como consequência, acumulou seis prisões na sua conta. Não bastasse ter que pagar 20 mil reais para ser solto em uma delas, não via outra saída a não ser continuar no mundo das drogas.
Uma de suas prisões aconteceu em abril de 2002, em Sorocaba. Logo antes de viajar para a Bolívia, onde pegaria um carregamento de cocaína, Milhan conversou, na rodoviária, com a mulher por quem estava apaixonado, Jackeline de Souza. Os dois decidiram se encontrar para resolver o destino da sua relação. Na mesma noite, talvez por ironia do destino, a polícia invadiu sua casa e o prendeu, sem mesmo que ele conseguisse ver Jackeline. O choque foi grande para a família, que não sabia do envolvimento de Milhan com as drogas. Sua irmã mais nova, Magali Milhan, relembra com tristeza a ocasião. “No primeiro momento pareceu um balde de água fria. Não esperávamos isso dele jamais. Nunca passou pela cabeça que ele pudesse se envolver numa situação daquela”. Por três anos e seis meses, ele permaneceu nos presídios de Sorocaba, Avanhandava e Andradina, todas cidades de São Paulo.
Com dois meses de permanência na Penitenciária de Andradina, o jovem recebeu a notícia que mudaria seu rumo: a Funap (Fundação de Amparo ao Preso) organizaria um concurso de poesia dentro do presídio para os detentos colocarem suas habilidades de escrita em prática. Milhan escreveu o que sentia por Jackeline. Era apenas contar a sua história em versos. Para a amada, aquilo foi algo inexplicável. “Fiquei lisonjeada quando descobri”, Jackeline comenta. “É muito bom quando somos lembrados de alguma forma”. O poema fez sucesso entre os colegas de cela, que o pediam emprestado para mandar para suas namoradas e esposas do lado de fora do cárcere.
Mas os laços com a escrita ainda não eram firmes o suficiente. Ao sair da cadeia em 2006, Milhan ainda não planejava parar com o tráfico. Voltou para a Bolívia e iniciou o contrabando novamente. Comprou um notebook e, sempre que viajava “a negócios”, escrevia sobre a história que não saía de sua cabeça. Logo que chegou a Sorocaba de uma viagem em que carregava seis quilogramas de cocaína da Bolívia para a cidade, a Polícia Militar o prendeu pela última vez.
Daí em diante, conhecendo minimamente a lei, sabia que não havia escapatória. Eram no mínimo três anos de pena. Desolado com a sentença, decidiu: “Nesses três anos, vou me dedicar a escrever. Vou virar escritor agora. Colocar minhas ideias no papel durante todo meu período na cadeia”. Dividindo seu tempo com o serviço na biblioteca da penitenciária, escrevia seu primeiro romance. A assistente social lhe fornecia os cadernos e canetas para escrever suas obras.
O agora escritor residiu nos presídios de Sorocaba, mais uma vez, e Itapetininga. Na primeira penitenciária, vivia com quase 20 pessoas numa cela de 18 metros quadrados. Já em Itapetininga, a situação era um pouco melhor: morava no Raio 1, dentre três no total, área geralmente mais pacífica e estável do lugar. Dentro da cela, cinco presos que dividiam três camas. “O Raio 1 foi ideal para eu poder escrever”, declara satisfeito. Ao iniciar a elaboração do quarto volume, foi solto com três rascunhos em mãos. E dessa vez, ele estava decidido: não voltaria mais para o crime.
Ao deixar a cadeia – já com suas obras escritas –, Milhan colocou em prática os planos traçados para seu novo ofício. Mas como ele mesmo afirma: “todo autor é um pouco iludido, quer ser um Paulo Coelho da vida”. E o desejo de ver sua história de vida nas vitrines de livrarias logo parecia a seu alcance. Seduzido por catálogos em grandes livrarias e promessas de exposição, fechou acordo às pressas com a editora particular Baraúna.
Entusiasmado e com os livros em mãos, chegou a ser procurado pela Livraria Travessa, do Rio de Janeiro, mas cedo viu suas expectativas desmoronarem. Na tentativa de comunicar a editora sobre o interesse da livraria, foi ignorado. Chegou uma hora que, por conta da demora, a Travessa perdeu o interesse. Da frustração, nasceu a decisão de fundar a sua própria editora, a Editora Milhan, com sede em Sorocaba, em 2013.
Sem dinheiro, Milhan foi a Campo Grande (MS), onde ficaria na casa de uma amiga e procuraria trabalho em uma firma qualquer. Não pensou, todavia, que a mancha de ex-presidiário não havia se dissolvido. Não arrumou o emprego e viu aos poucos o dinheiro que lhe restava se esvair. A esperança, mais uma vez, estava nos livros. Lembrou das caixas guardadas em sua casa e pediu ao irmão que lhe enviasse duas delas. Ao todo, 104 exemplares. “Decidi vender livro e, com o único dinheiro que tinha, fui até a rodoviária buscar as caixas”, relembra Milhan orgulhoso.
“Apanhei uns 10 livros e tentei vender nos semáforos ali mesmo. Contava minha história e aceitava qualquer valor. Em menos de dez minutos, os livros acabaram”, conta o autor que, entre cédulas de R$ 2,00 e apanhados de moedas, atingiu a meta inicial. No Centro de Campo Grande, a luta continuou. Na Avenida Afonso Pena, fez do muro de um banco sua vitrine e perguntou aos que por ali passavam: “Gosta de literatura?”.
Segundo Milhan, gostavam. Em dez dias, livrou-se dos 104 exemplares e arquitetou seu novo plano: São Paulo. Entretanto, o amor pela literatura não o pareceu tão latente por lá. Durante um dia inteiro na Avenida Paulista, apenas uma venda. Afinal, era um iniciante na arte de abordar paulistanos apressados. Até que, em 2015, um “macaco velho” nessa prática, um morador de rua chamado Jorge Carvalho, decidiu o ajudar em frente ao Parque Trianon. Como quem ainda não acredita no que aconteceu, Milhan conta: “Ele me disse que eu estava vendendo errado, que pechinchar não venderia o livro. Falei que o valor era de 30 reais, e ele me sugeriu: ‘se eu vender, quanto você me dá?’. Ofereci ficar com 20 reais e o resto seria dele. Lá foi ele e vendeu por 50 reais”.
Parceiros de vendas, Jorge e Paulo criaram um forte laço de amizade. Na rua, ambos passaram por situações similares na vida. Desde as dificuldades diárias até a rejeição das pessoas que passam por eles nas ruas. “Naquele momento, conheci toda sua vida. Nunca vi uma história de superação como a dele. Foi por isso que vendi seus livros pela Avenida Paulista. E ele me auxiliou a sair das ruas”, Carvalho relembra encarecidamente.
Agora, além da primeira obra “Tarde Demais Para Acreditar no Amor”, carrega o romance “Amante Virtual”, publicado em 2016. A Editora Milhan atualmente sustenta-se graças ao programa do Sebrae de incentivo ao microempreendedor individual que isenta o pagamento de impostos. O custo da editora gira em torno de 54 reais por mês (INSS). As vendas são todas feitas por Milhan, às vezes recebendo a ajuda de amigos como Carvalho. O autor decidiu não dispor seus romances nas livrarias, por encarar um negócio não tão lucrativo quanto vendê-los por conta própria. Nas ruas é como ele sobrevive.
Na cabeça, assim como na prisão, as ideias fervilham. No fim das contas, sempre foi um empreendedor. Como fez durante seu trajeto, atingirá seus anseios. A diferença é que, agora, não são ilegais e exigem bastante esforço. O futuro do autor, porém, ainda deve consistir por um tempo na seguinte frase: “Você gosta de literatura?”.